terça-feira, junho 20, 2006

Este Mar...

Blau au somni
Numa pequena aldeia de xisto, ancorada nas margens de um rio cujo nome não me ocorre, conheci uma velhota, sorriso desdentado, prestes na fala, tez curtida pelo sol de 80 e muitos anos, com uma lucidez invejável e forças para se levantar todos os dias antes do galo cantar para tirar as cabras do redil, mais do que tudo temia os lobos (apesar de há mais de 20 anos não se ver nenhum por aquelas paragens).
O que me espantou nesta senhora, igual a tantas outras por este pequeno Portugal fora, foi o facto de nunca ter ouvido falar desta terra com nome de ave de rapina, Açores, quase como se eles nunca tivessem sido descobertos ou então existissem apenas nas páginas de algum livro fantático... nem foi preciso adiantar o pormenor que eu era da Graciosa... Logo esqueci esta pequena "afronta" ao meu orgulho açoriano quando a senhora me disse que nunca tinha visto o mar... o Atlântico era tão ou mais distante do que a Lua, pois essa ao menos estava ali no céu nocturno; o mar, só atravessando meio Portugal, ir muito mais além daquela serra da qual a velhota nunca passara o cume. E depois a ideia de uma massa colossal de água estendendo-se até ao infinito era algo que não entrava na cabeça a alguém que sempre vivera entre serranias, para "Lá-dos-Montes"...
Como nos parece banal, a nós Atlantes, este Atlântico cada vez mais pequeno, e ao mesmo tempo ideia tão estranha a um cada vez menor número de cabeças, que não imaginam outro horizonte que não um de terra e rochas...

Hoje, no Douro...

Á minha frente o Douro em tons cinzentos e uma escarpa de granito pintada de amarelo torrado e verde escuro, tão diferente das encostas esculpidas do Douro vinhateiro alguns quilómetros a jusante... aqui só plantam oliveiras, que dão a impressão de crescer espontaneamente...
Este bloco colossal de pedra e terra que nasce do rio ergue-se abrupto em direcção ao céu. Mete medo, impressiona... Estou numa pequena praia fluvial, mesmo junto á abandonada estação de comboio de Almendra, na linha que ligava o Porto a Salamanca e que agora se detém no Pocinho, perto de Vila Nova de Foz Côa. Para chegar dos Açores aqui é preciso fazer bastantes quilómetros e ter estômago para curvas e contra curvas nas vertentes acidentadas do vale do Douro, que aqui já começa a ser o "Duero", afinal Espanha é já ali depois daquela curva, literalmente.
Este é o lugar mais isolado onde já estive, não fosse a estação fantasma atrás de mim e os carris ferrugentos e dir-se-ia que nunca Homem algum passou por estas paragens (pura ilusão: há milénios que esta terra agreste é percorrida por gentes sem nome). Estas cigarras não conhecem outro som que não o criiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii ensurdecedor com que enchem o ar. As árvores secas tornaram-se estátuas imóveis e parecem esticar-se para a água ali a poucos metros...aqui no vale do Douro não corre vento e há dias em que as temperaturas ultrapassam em muito os 50 graus. Hoje o termómetro do carro marca 44, vá lá... o cheiro a erva seca e água mistura-se e confunde-se no ar, inspiro-o, encho os meus pulmões com ele e mergulho... nunca tinha mergulhado nas águas de um rio, tão diferentes das do meu Atlântico...Aqui, abaixo da superficie não há cor, água turva, mete medo...peixes nem vê-los e de vez em quando sentimos as algas agarrarem-nos, umas fazem cócegas outras assustam. O meu corpo resiste contra a corrente, fortissima, até parece que tem pressa para chegar a algum lado. O melhor é sair da água, a areia grossa e amarela da praia chama-me...

Deixo a praia de Almendra para trás, mas não posso deixar de colar os olhos a esta paisagem desértica, hoje tão surreal, enquanto subo as escarpas. Não foi o mundo que se esqueceu deste pedaço de terra e rio, foi este pedaço de terra e rio que se esqueceu do mundo....

A Fajã da Serra Branca

Estas casas que se derramam na encosta da serra, quebrando a monotonia do xadrez de pastos e cerrados, lembram as aldeias Transmontanas, adormecidas á sombra dos cumes mais altos da serrania, rasgada a espaços por fragas de granito. Aqui a pedra é o basalto, é ele que rompe as encostas da serra e é com ele que se ergue tudo o que é parede...
A aldeia está muda. Custa a crêr que já viveu aqui alguém. As casa são meros esqueletos de pedra queimada pelo fogo vulcânico e os caminhos ladeados de silvas e fetos secos só servem de passagem, de tempos a tempos, a tractores barulhentos. Já não há ninguém aqui...
Ali á frente o verde da serra despenha-se no azul do Atlântico mudo... aqui o mar vê-se mas não se ouve, não se sente. Esta imensidão de água bem poderia ser um prolongamento da terra e destes montes que a diferença era pouca; o mar estava tão longe das gentes que aqui viviam como estava de um Transmontano...

segunda-feira, junho 19, 2006

Hoje o horizonte desapareceu...

M.C Escher, Sky and Water
Olho para onde deveria estar a linha do horizonte e não a vejo... o azul confunde-se, confunde-me... agora não sei onde começa o mar e morre o céu, onde morre o mar e começa o céu... Não há um rumor nas águas nem um movimento nas nuvens que desperte o horizonte; hoje o horizonte desapareceu e a Ilha parece nem se importar, adormeceu... as colinas nuas espreguiçam-se descaradamente ao sol do meio dia e a Faia e o Incenso sussurram baixinho uma canção de embalar, até os grilos se calaram... Os Garajaus e as Gaivotas, confundidos, tomam conta do basalto negro á beira mar, hoje é melhor não ser ave, amanhã quando o horizonte aparecer, se quiser aparecer, reclamam novamente este céu azul pálido.

quarta-feira, junho 14, 2006

A importância de se chamar Graciosa (Parte II)

Graciosa não é um nome, é um adjectivo.
Esta terra cheia de graça só pode fazer jus a esse adjectivo tornado nome nas cartas de marear, entre rosas-dos-ventos e rotas.
A Graciosa está naquele grupo de ilhas cujo nome nos evoca imediatamente uma imagem, mesmo que nunca lá tenhamos estado; assim é com o Pico, assim é com as Flores, das restantes podemos esperar tudo mas no Pico tem de haver obrigatoriamente um pico e as Flores tem de ser um jardim. A Graciosa...a Graciosa só pode ser isso mesmo, graciosa. O nome desta porção de terra, cada vez mais empenhada no turismo é o seu maior trunfo quando se quer cativar visitantes... a força que estas oito letras podem ter!

terça-feira, junho 13, 2006

A Importância de se chamar Graciosa...

Inicio aqui uma série de artigos sobre os 5 séculos de história da ilha Graciosa...

Gaspar Frutuoso nas suas "Saudades da Terra", Livro VI, a páginas tantas, diz a propósito do nome Graciosa:
(...) Chamando-lhes todos ilha Graciosa, porque o é na vista que tem, verde e quase chã, e pouco montuosa, e tal apareceu aos que este nome lhe puseram, pela ver tão bem assombrada e quase rasa, sem montes altos e grandes e vulcão, nem carranca como tem outras ilhas (...)
Se duvidas houvessem acerca do porquê do nome desta porção de terra rodeada de Atlântico, são desfeitas neste parágrafo pelo eminente historiador. Não há, não pode haver, outra explicação para o nome desta ilha, que ao contrário das suas oito irmãs nunca recebeu nome de santo. Para compreendermos e darmos razão ao cronista Frutuoso basta olharmos a Graciosa do mar, tal como as primeiras gentes que a vieram povoar; uma ilha onde as falésia não metem medo e as névoas raramente encerram o cume dos montes, sempre discretos: até o minúsculo Corvo possui uma altitude máxima superior á da Graciosa...
O porquê de nunca ter tido nome de santo ou santa, nem mesmo por um curto período, é também a meu ver fácil de responder: a palavra Graciosa tinha para os antigos uma conotação religiosa e era imediatamente associada á virgem Maria, a mesma que já dera nome a outra ilha, e que era, tal como se reza, "...cheia de Graça..." o mesmo será dizer: Graciosa.
Assim o é esta ilha, Graciosa graciosa, desde o século XV até aos dias de hoje...

segunda-feira, junho 12, 2006

A Ilha...


Lá, a fronteira é um erro estúpido, um rabisco sobre um mapa que significa cada vez menos e que se vai diluindo devagar de cada vez que a passo, um dia já nem a sinto... Mas aqui... Aqui, na Ilha, sinto a fronteira como nunca tinha sentido até hoje. Este basalto negro á beira mar, onde morre o verde que pinta a Ilha, é a materialização daquele rabisco estúpido que não devia existir Lá... E depois há este Mar, para lá do basalto negro, que de tempos a tempos se ergue em vagas colossais para fustigar a terra e lembrar que somos Ilhéus, este vento que ora nos sussurra ora nos grita a nossa insularidade. Não posso fugir, a fronteira rodeia-me, sempre presente, sempre muda, sempre imutável... Nem vale a pena gritar...