domingo, abril 27, 2008

sábado, abril 26, 2008

Bruxas, Lambuzões e Diabretes


As estórias que ouvia da boca dos antigos não raras vezes versavam sobre as figuras sobrenaturais que em noites de breu assombravam os caminhos. Visões aterradoras de seres demoníacos com quem ninguém gostaria de se encontrar. Parece que em tempos idos o diabo andava à solta nesta terra, sob múltiplas formas; as bruxas, os lambuzões e os diabretes constituíam esse estranho séquito de figuras demoníacas, que espalhavam o medo nestas pacatas freguesias.
Em noites de lua cheia, ouvia-se as bruxas reunidas nos matos, em danças e cantos infernais, que faziam tremer até o homem mais afoito. As gentes trancavam-se nos quartos com medo. O meu avô certa noite foi seguido até casa pelo som de umas violas e a minha avó contava que ao passar numa noite escura à igreja do Guadalupe, sem ninguém por perto, ouviu uns risos vindos por certo do inferno. A ronda das mafarricas. Mas as bruxas, pese o facto de serem bruxas, eram recatadas. As tropelias que aconteciam eram obra sobretudo dos diabretes, pequenos seres de aparência hedionda que se reuniam lá no cimo da serra à beira da Caldeirinha e aterrorizavam quem passasse pelo caminho a certas horas da noite. Evitava-se sair de casa depois do sol se pôr, evitando-se assim o mal que advinha de se cruzar com uma bruxa ou com um diabrete. Ninguém queria ter problemas com servos do diabo. Até conheço dois ou três casos de quem se tenha encontrado de cara a cara com o tinhoso, tentando desviar almas de bem para caminhos dúbios, como o auto vicentino. Mas havia uma reza que invocada nestes momentos servia de protecção e resolvia este grande mal: “Quando saí de casa fiz o sinal da cruz, rebenta Satanás pelo santo nome de Jesus” e logo ali o demónio desaparecia e deixava a pessoa seguir o seu caminho.
A mais original figura da mitologia insular era o lambuzão, nome que não existe no dicionário mas que julgo tratar-se de uma corruptela da palavra lobisomem, adaptada à realidade das ilhas, onde não havia lobos mas havia outros bichos. O lambuzão nascia amaldiçoado (se não estou em erro esta sina recaía sobre o sétimo filho de entre treze irmãos) e em determinadas noites transformava-se em uma qualquer besta, geralmente um porco. O ser lambuzão era um fardo, embora não mantivesse a consciência das suas acções, regra geral nunca agia por maldade. Conta-se aquela estória de uma mulher que estando na sua cozinha, entrou um porco pela porta e começou a roer-lhe a saia. Assustada ela enxotou o animal para não o tornar a ver. No dia seguinte o marido chegou a casa e ela, para desgraça do casal, constatou que o homem trazia preso entre os dentes algumas fibras vermelhas iguais às da sua saia.
É esforço vão arranjar explicações para estas crenças, enraizadas na cultura popular, verdadeiramente ancestrais e anteriores a quase tudo o que conhecemos. Bruxas, diabretes e lambuzões sempre os houve, em todos os lugares, com diferentes nomes, mesmo que não se acredite. Ou como dizem os nossos vizinhos “no creio en brujas, pero que las hay, hay.”

sexta-feira, abril 25, 2008

25 de Abril



25 DE ABRIL


Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo



Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, abril 20, 2008

Preguiça...


Jantei na Preguiça com um grupo de bons amigos numa noite quente do princípio de Agosto. Os anos do Félix. Mesa posta cá fora no terraço. Lascivamente, sobre a toalha branca, os melhores petiscos durienses. À minha frente o rio e do outro lado uma vertente inclinada e infinita esculpida em socalcos, pintada em muitos tons de verde e castanho. O canto ininterrupto das cigarras, musica de fundo para as nossas conversas, parecia ecoar por todo o vale. Parabéns Félix. Lá em cima, lá muito em cima, as estrelas. Nem uma nuvem no céu. Um brinde. O cheiro a erva seca, a uvas quase prontas para a vindima, a água do rio. Uma noite perfeita, pareceu-me que nada do que a vida me pudesse dar então iria fazer falta. Só este momento. Felicidade.

sábado, abril 19, 2008

A Fundação de Santa Cruz - Parte II

Foto de António Brum Ferreira

Evidenciando uma mentalidade de senhor feudal, Pedro Cunha procurou um sítio destacado para construir a sua residência que seria, mais do que qualquer outra coisa, um símbolo do seu poder. Não longe do núcleo de povoamento inicial, para Este, existia um pequeno outeiro que naquele tempo se deveria destacar na primitiva paisagem Graciosense e permitia ter vista larga sobre o mar e sobre a costa baixa de Santa Cruz. Foi nesta elevação, o actual Pico das Mentiras, que o capitão mandou construir a sua residência fortificada que se assemelharia a um castelo, justamente o nome que este local ostentou até pelo menos aos inícios do século XX. A residência situava-se sobranceira às terras para onde Santa Cruz cresceria; era bastante importante que também da terra, e não só do mar, se vissem as muralhas e se interpretasse o seu significado; aquela terra tinha um senhor.

Bob Dylan - Like A Rolling Stone 1966

É só p´ra dizer que dia 11 de Julho vou ver este senhor...

sexta-feira, abril 18, 2008

Avó

A minha avó cozia pão num forno a lenha, numa altura em que os ainda havia em bom estado nesta ilha. Todos os sábados repetia essa rotina, já se esquecera de quem a ensinara, -se é que a ensinaram - fazia isto deste que se lembrava de ser pisca de gente.
Transportava os molhos de videiras podadas, amarradas com piteiras, para a cozinha e graveto a graveto aquecia o forno. Já a massa preparada de véspera, benzida com uma cruz, repousava em dois alguidares grandes, um vermelho para o pão de trigo e um cinzento para o pão de milho, assentes num velhinho e tisnado banco de madeira. Havia ainda outro alguidar mais pequeno para as rosquilhas e tabuinhas-de-lavar e no tempo delas, um tabuleiro de pevides. Em movimentos rápidos e sabedores tendia a massa, punha-a na pá e ela desaparecia na boca negra do forno para voltar a sair umas horas depois. Ao sábado a cozinha era uma azáfama. Se era inverno tanto melhor, o calor do forno chegava de uma ponta a outra da casa, passava pelo sobrado até ao meu quarto e eu rejubilava. Á noite pegávamos num pão, quente, abafado debaixo de umas manta grossas, a minha avó, ainda de avental enfarinhado, partia-o em fatias e barrava-as com manteiga para mim e para a minha irmã. O pão de milho era comido no domingo, com as lapas. Havia umas quantas brindeiras destinadas a serem dadas “por alma dos nossos” a quem passasse por lá.
Uns anos antes de falecer a minha avó deixou de cozer pão.
Aos poucos aquela abóbada de pedra queimada abate-se, é cada vez menos um forno. A chaminé de mãos postas suplica.
As saudades que eu tenho do pão de trigo acabado de sair do forno, mas mais do que tudo, as saudades que eu tenho da minha avó, da sua força, das suas rugas, da sua tez queimada, das suas mãos velhinhas. Se fosse viva faria hoje anos…

Caro jbc...

Desconheço também a data exacta de elevação de Santa Cruz a vila, mas em verdade nunca empreedi a aturada pesquisa que o tema exige. E não conheço nenhuma referência em escritos da época a uma data especifica. O unico documento que nos permitiria resolver definitivamente essa questão seria a carta de Foral, mas tanto quanto sei ela nunca foi encontrada. Provavelmente nunca existiu. São inumeros os casos de povoados elevados a vila no reinado de D. João II e D. Manuel sem ter havido Foral. Não me surpreenderia que Santa Cruz fosse um destes casos. É claro que posso (e nem me importava) estar enganado e a carta de Foral da vila de Santa Cruz da Graciosa dos Açores estar guardada algures, no meio de um maço de pergaminhos, na Torre do Tombo, á espera que um investigador paciente a descubra.
Com os melhores cumprimentos,
Magma

sábado, abril 12, 2008

Na Beira...

O trabalho fez-me descer das serranias transmontanas até terras beirãs, no centro do país. Vou estar aqui uns tempos. Aos poucos descortino na fisionomia das casas e na sua disposição, no perfil das chaminés, nas ruas centenárias, parecenças com as casas que vejo na Graciosa. A origem de grande parte das gentes que foram colonizar esse torrão de terra insular, a julgar pela arquitectura, terá sido esta região e o Alto Alentejo. Do Norte do país recebemos pouco, até nas expressões do quotidiano somos mais parecidos com um beirão do que com um minhoto ou transmontano. Embora prefira o Norte, aqui sinto-me em casa.

sexta-feira, abril 11, 2008

A Fundação de Santa Cruz - Parte I


Quando Pedro Correia da Cunha chegou à ilha para exercer os seus direitos de capitão do donatário encontrou uma povoação principal, a Praia, e provavelmente dois ou três aglomerados menores, dispersos ao longo da costa e isolados uns dos outros. Foi num destes aglomerados primitivos, situado na parte ocidental da Graciosa, que o primeiro capitão decidiu estabelecer a sua residência, contrariando a tendência de polarização do primeiro núcleo de povoamento.


Pedro Correia da Cunha veio encontrar nas bandas ocidentais uma pequena povoação de casebres toscos e cobertos de colmo, dispostos em redor da humilde ermida de Santo André. Este primitivo núcleo do que viria a ser santa Cruz situava-se muito provavelmente entre o actual largo Vasco da Gama, que ocupa a parte mais baixa da vila, e as Fontaínhas
, ancoradouro pequeno mas seguro onde os pescadores da povoação varavam os seus barcos. Seguindo o exemplo do capitão, que trouxe a sua família e criadagem, vieram outros fidalgos para Santa Cruz, também eles com o seu séquito, mais as gentes humildes, sem nome nem riqueza, que aqui procuraram começar uma nova vida. Assim nascia a capital da ilha branca…