sábado, janeiro 31, 2015

Caldeirinha

Adivinha-se na topografia da Serra Branca os contornos esbatidos de uma velha e grande caldeira, cujas paredes erodidas por milhões de anos mal se fazem notar entre o tapete de erva que a forra. Este vulcão seria pouco menor do que a Caldeira, mas muito mais antigo. 
Nesta imensa cicatriz, destaca-se a Caldeirinha, uma pequena chaminé vulcânica e que terá surgido muito depois do vulcão da Serra Branca e foi povoada por diabretes quando as gentes também aqui aportaram e que hoje em dia é um miradouro excepcional sobre as terras chãs de Santa Cruz e Guadalupe. Chamam-lhe Caldeirinha, mas os Graciosenses de outrora chamavam-lhe Caldeira de Pêro Botelho, que era nome de baptismo do Tinhoso, do Mafarrico, do Demónio com pernas, braços e pele de Homem.
Se Deus está em todo o lado, o Diabo remete-se apenas a um sítio, a um buraco fundo e escuro, entre os vapores de enxofre e a humidade podre do musgo velho. Não está sozinho na sua masmorra: os diabretes servem-no e povoam o imaginário Graciosense. Era frequente estes seres malfazejos sairem da Caldeirinha, descerem as canadas e atentarem as lavadeiras do caminho do Tanque, que mais do que qualquer outra pessoa tinham razão para temerem aquela cratera do demo, sobranceira ao ermo onde lavavam a roupa dos senhores da vila. O rol de travessuras destes acólitos de Belzebu é grande, maior do que se possa enumerar. Talvez, em alguns casos, pudessem estar inocentes.
Nos últimos anos investiu-se na requalificação do caminho que contorna a cratera e na construção de um miradouro que abarca um vasto e belo panorama, de verde e azul, de montes e mar que custa acreditar que o demónio tenha habitado estas paragens.