quinta-feira, dezembro 07, 2006

Pico Negro

O pico Negro não pertence ao mar nem pertence à terra, é um meio termo, um barco ancorado na ponta da ilha (na Ponta da Barca) à séculos, um ponto final deste texto escrito a muitas mãos chamado Graciosa...
Visto de longe lembra uma pirâmide mal desenhada, pintada a negro e ocre, posta ali por engano. De perto atemoriza, as suas vertentes calcinadas pelo fogo vulcânico insistem em lembrar-nos a verdadeira natureza desta terra.
O pico Negro, situado pouco depois do Barro Vermelho na freguesia de Santa Cruz, é o que resta de duas chaminés de um complexo aparelho vulcânico, mas ao invés do que acontece com outros picos e montes por esta ilha fora (também eles restos de chaminés e crateras), nunca desenvolveu uma camada humosa relevante, esteve sempre despido de terra. O que hoje vemos são os piroclastos cuspidos pelo vulcão e queimados pela fúria ígnea da Terra... Esta paisagem um tanto ou quanto dramática é acentuada pelos salgueiros mirrados plantados há décadas na encosta virada para a ilha.
O pico parece que foi cuspido da entranhas da terra há pouco tempo, talvez tenha sido por medo que as gentes da ilha nunca se interessaram muito por este lugar, uma unica casa habitada entre uma ou outra ruína... A sua silhueta impõem- se sobre aquela paisagem bucólica, vislumbramo-lo ao longe quer estejamos no Guadalupe quer estejamos no Monte d`Ajuda e ao seguir pelo estrada que lhe passa no sopé (na realidade passa na meia encosta) tornamo-nos pequenos e humildes perante aqueles contornos agressivos (se este pico fosse gente estaria sempre de punhos erguidos para nos esmurrar). Se pararmos um pouco e nos embrenharmos por um carreiro largo entre os salgueiros, podemos ver o pico Negro em toda a sua imponência, despenhando-se em algazarra nas águas do Atlântico, 100 metros abaixo. Sigo outro carreiro que desce serpenteante pela cratera e leva-nos até á água, não é qualquer um que o desce, a bagaçina no qual foi talhado insiste em rolar debaixo dos pés, uma ou outra pedra desprende-se uns metros acima e passa sobre a minha cabeça. Olho para cima e o pico vigia-me, quer abater-se sobre mim. No topo, cada vez mais distante ergue-se uma discreta vigia da baleia (um dia hei-de lá subir). Na outra cratera , a caldeirinha, existe outro carreiro, cortado a pique na encosta, muito pior que este que agora subo outra vez, só o desci uma vez, (nunca mais...). É perto ou longe uma presença perturbante, seja como for é o pico Negro o primeiro que me recebe quando aterro no aeroporto, com um sorriso... há-se estar sempre ali, como sempre esteve desde que a ilha tem memória...

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