terça-feira, dezembro 30, 2008

Cemitério Judaico




Desgraçado do homem que aqui jaz, comido pelo sal que o mar embravecido atira à terra em dias de mau tempo, não tendo ninguém que, no seu repouso eterno, lhe faça companhia.
Este pequeno cemitério, feito de uma só sepultura e um só morto, é fascinante. Pouco sei das suas origens, nem sei se os ossos que ali estão são mesmo de um judeu ou de um qualquer pária condenado a ser enterrado longe da gente, a quem sempre incomodou essa outra gente, judeus, mouros, diferentes.

Reza a lenda que naquela sepultura foi enterrado um marinheiro judeu, que foi atirado às rochas negras da ponta de Santa Catarina após o seu barco ter ido a pique. Há que acreditar nas lendas, há sempre um pouco de verdade nas efabulações que passaram de boca em boca ao longo de gerações.
Mas não deixa de ser chocante, à luz dos nossos princípios, que tenham enterrado gente naquele ermo, facto que até era costume em tempos recuados, por medo, por simples discriminação (conheço mais um sitio na Graciosa onde enterraram uma moura, perto do mar e longe de gente).
Curiosamente, não muito longe deste cemitério, situa-se o Pico da Forca. Não me espantava então que o desgraçado que aqui repousa tenha tombado do cadafalso e sido atirado para aquele ermo. Fosse pelo que fosse não podia ser enterrado com cristãos.

Já no século XX, ergueram em boa cantaria um resguardo à sepultura que ainda hoje se salienta entre as rochas do mar, as paredes dos cerrados e as ruínas do forte de Santa Catarina. Uma única legenda nas pedras negras, porque aqui não importam nomes; Cemitério Judaico.


segunda-feira, dezembro 29, 2008

Visite a Ilha Graciosa


Encontrei este pequeno folheto entre uns jornais velhos. Trata-se de um prospecto turístico sobre a Graciosa e data da década de 60 do século XX e será, sem dúvida, uma das primeiras tentativas de promoção da Ilha Branca no exterior. Hoje, como ontem, visite a ilha Graciosa!

domingo, dezembro 28, 2008

Graciosa. Hoje...

Fotografia tirada hoje na Serra Branca. Ao fundo as casinhas brancas da Ribeirinha rodeadas pelo verde dos pastos e dos picos que guardam a ilha. Este é um dos meus miradouros preferidos da Graciosa e uma das paisagens mais fotogénicas dos Açores...

Os Goonies e Recordações de Infância


Tento pôr as dezenas de cassetes VHS que tenho em ordem. O reinado do DVD atirou-as para a pré-história e agora de pouco valem. Relíquias, mas mesmo assim não me quero desfazer delas, ainda que a qualidade da imagem se degrade a cada ano que passa e o espaço que ocupam naquela estante seja grande.

Encontrei um filme que já não via há muito tempo e que me é bastante querido, Os Goonies, e que marcou indelevelmente os anos da minha infância. Os Goonies narra a história de um grupo de miúdos em busca de um tesouro escondido, guardado num velho galeão pirata. Perdem-se em labirintos, escapam de armadilhas, fogem de uma familia de bandidos que também persegue o tesouro e, no fim, acabam por salvar as suas casas, ameaçadas por especuladores imobiliária.

Não sendo um documento fiel sobre a infância, é um filme bonito sobre amizade e camaradagem e retrata essa infância que eu adorava ter tido. Eu e qualquer um que tenha nascido nos anos 80. De certo modo até tive as mesmas aventuras por que passaram os Goonies; tantas e tantas vezes, com os meus amigos, brinquei à caça ao tesouro e me armei em pirata com espadas de madeira e pala no olho e guardamos tesouros em esconderijos. Uma vez por outra, um joelho rafado, um pé torcido, um par de nódoas negras nas canelas e um puxão de orelhas dos meus pais por sujar a roupa... Nunca encontramos verdadeiros tesouros, mas nada há de mais valioso que as recordações que hoje guardo desses dias já longinquos.

Os Goonies não são certamente o melhor filme de sempre, mas é que já não se fazem mesmo filmes destes...

sábado, dezembro 27, 2008

Graciosa. Ontem...

Guadalupe, anos 60 - Foto de António Brum Ferreira

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Pico Timão

Pico Timão nos anos 60 (Foto de António Brum Ferreira)

Passei há uns dias pelo Pico Timão, que se ergue altivo no coração da Graciosa. Há meses que não passava ali, por isso fiquei espantado com as dimensões da bagaceira que estão a abrir bem no centro da cratera. A cicatriz é por demais evidente e chocante, não tardará muito até que toda a cratera do Pico Timão esteja revolvida por máquinas e despida de vegetação. Uma cicatriz horrivel a marcar uma paisagem imaculada. Mas quem fica a perder é a Graciosa e os Graciosenses.

A extracção de inertes é, em qualquer lugar, uma questão delicada; sendo a Graciosa uma ilha pequena, com parte significativa da sua economia assente na construção civil, não se pode exigir que as empresas comecem a importar bagaça. Todavia tem de haver, por quem de direito, uma supervisão aos espaços onde estão implantadas as bagaceiras e um plano para a sua recuperação e reenquadramento paisagistico, coisa que embora até possa ser contemplada nas licenças de exploração, facilmente se esquece.

O Pico Timão, se as coisas continuarem assim, dificilmente voltará a ser como dantes, mas nós é que ficamos a perder. E quando a bagaça acabar ali, as máquinas passarão a esventrar a encosta da Caldeira, o Porto Afonso ou o Pico Negro?

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Feliz Natal - (A Vida de Brian)

É só pra desejar um bom natal, ao mundo e arredores...

terça-feira, dezembro 23, 2008

Moinhos


Guardam, mudos, esta terra Graciosa, elevando-se em pequenos montes sobre os campos da ilha, verdes de invernagem. Há muito que as velas deixaram de procurar vento; as armações descarnadas de pano são já ossadas, mas as cúpulas ainda se teimam a desenhar a negro contra um céu de fim de tarde.

sábado, dezembro 20, 2008

Regressei....

O fim de todas as nossas viagens, será regressar ao lugar de onde partimos e conhecê-lo pela primeira vez.
T.S Elliot

terça-feira, dezembro 16, 2008

Viajar: Montemor-o-Novo


Muitos dos primeiros povoadores da Graciosa, sairam desta terra, adormecida na pacatez do Alentejo, perto de Lisboa e às vezes tão longe do mundo (...ainda bem). Montemor-o-Novo é uma belissima cidade, aninhada à sombra do seu castelo, com ruas tranquilas enfeitadas com casinhas caiadas de branco e igrejas centenárias. Guardo boas lembranças das poucas semanas que lá passei e das pessoas que por lá conheci. Vale a pena demorar-nos aqui...

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Próximo Destino

A próxima viagem irá levar-me à Graciosa. Daqui a poucos dias ouvirei o velho Atlântico rabugento na sua prosa invernal, reencontrarei os contornos do Monte d´Ajuda, da Serra das Fonte e da Caldeira que trago desenhados no coração, despertarei para os cheiros dessa terra, descobrirei novas rugas nos rostos que conheço. Daqui a uns dias (que passem depressa) o trabalho e as preocupações hão-de ficar aqui no Continente, só levo comigo esta alegria de quem regressa ao Lar. Daqui a uns dias...

Viajar: Chaves (a Preto e Branco)


Farol da Ponta da Barca


quarta-feira, dezembro 10, 2008

Piratas, Flibusteiros e Arruaceiros

Chegaram até aos nossos dias vários relatos, escritos por autores antigos, sobre os piratas que de tempos a tempos desembarcavam nas costas desta ilha branca. Ainda que a famosa vitória das gentes da Graciosa sobre piratas argelinos seja contada amiúde, poucos lembram a história de outra batalha, que se desenrolou em meados do século XVII na Vila da Praia e cujo desfecho foi um pouco diferente do célebre triunfo de 1623.

A 16 de Fevereiro do ano da Graça de 1691, aportou em frente às casas sossegadas da Praia uma barlanda de bandeira inglesa, declarando na alfândega que trazia somente 6 tripulantes e uma carga de azeite e bacalhau. Pediram estes homens que lhes fossem enviados 4 ou 5 barcos para desembarcarem tão cobiçada carga, mas logo que os barcos alcançaram a barlanda os Ingleses apoderaram-se deles e prenderam a enganada tripulação.


Pelas 11 horas da noite, servindo-se dos barcos capturados, desembarcaram no porto cerca de 35 homens, bem armados com espingardas e lanças e logo ali mataram o meirinho da alfândega que ainda conseguiu, com os seus gritos, alertar alguns vizinhos que se apressaram a fugir. Os flibusteiros entraram livremente na vila e servindo-se de um dos tripulantes dos barcos capturados, dirigiram-se a casa do tesoureiro da igreja. Pediu-lhe o preso para que lhe fossem dadas as chaves da igreja pois havia um enfermo que requeria a Santa Unção. De boa fé, o tesoureiro entregou-lhe as chaves mas logo que viu os ingleses fugiu. Servindo-se do preso e de falsos pretextos, os ladrões foram de casa em casa, capturando os fidalgos e prendendo-os na igreja, podendo-se então entregar ao seu malévolo propósito já que o resto da população havia fugido para o mato e para as grutas do mar em busca de segurança.

Ao romper da lua soltou-se do improvável cárcere um moço, que pela madrugada correu a pedir auxilio às gentes de Santa Cruz. Imediatamente o capitão-mor desta vila tratou de reunir 200 homens armados que ao romper da aurora marcharam para a vila da Praia. Chegando este improvisado exército ao Alto do Quitadouro, que marcava o limite das duas jurisdições, optaram por construir uma muralha em pedra solta para impedir a passagem para a banda de Santa Cruz, contra a vontade de um douto clérigo, guardião de São Francisco, chamado Frei Gonçalo da Purificação, que achando de nada valer este esforço, propôs que se levassem duas peças de artilharia para o adro da igreja de Nossa Senhora da Guia e daí se afundassem os barcos aportados, impedindo a fuga dos ingleses, que vendo-se acossados e em aflição, não tardariam a depôr as armas. Consta pois, que o conselho não foi aceite.

Puseram os homens as mãos à obra e ainda antes que a muralha estivesse concluída, decidiram avisar o capitão-mor da vila da Praia, por onde acometeriam os Ingleses. Mas estes dominavam toda vila, guardando as ruas e entricheirados no adro da Igreja da Misericórdia e na Igreja de Santo António, fazendo frente a qualquer avanço das gentes da Graciosa. Ainda assim os homens de Santa Cruz investiram desordenados, até verem um dos seus cair morto com um tiro. Nova desordem. Gritaram, correram, saltaram paredes, abrigaram-se nas vinhas e esconderam-se nas casas. Estes Ingleses eram o diabo!

Após terem saqueado casas e igrejas e tudo o mais que havia para roubar, os piratas embarcaram todo o espólio no barco, servindo-se para isso dos fidalgos que aprisionaram, descalços e despidos, da maneira que da cama os tinham tirado. Quando viram a pólvora a acabar, decidiram pedir tréguas, enviando o capitão António Correa sob escolta junto aos homens de Santa Cruz. Embora o capitão tenha insistido num novo ataque, as tréguas foram conseguidas e os Ingleses conseguiram sair do porto, levando consigo alguns prisioneiros com o intuito de pedir resgate.Os homens da terra tentaram afrontá-los uma ultima vez, disparando os arcabuzes, mas nada conseguiram. Algum tempo depois, decidiram os ingleses, soltar um dos prisioneiros em terra para lhes mandar 200 patacas e 4 pipas de vinho. O dito homem, ainda que não tenha conseguido a quantia exigida, tentou iludi-los com 4 pipas vazias, mas esta gente era difícil de ludibriar. Dos restantes prisioneiros, 2 fugiram atirando-se ao mar, mas deram mortos à costa do Faial e os outros foram deixados na Ilha do Fogo, onde estava o bispo dos Açores que logo os tratou de enviar para a Terceira, juntamente com algum do saque das ermidas e igrejas profanada.

Algum tempo depois estes piratas foram interceptados nas costas da Mina por uma fragata Inglesa. As versões contraditórias sobre como tinham adquirido o espólio e as acusações trocadas entre si, levaram-nos a ser acusados de pirataria e condenados à forca.

Assim acaba esta história, resgatada de memórias longínquas nestas linhas mal alinhavadas. O medo dos piratas subsistiu na tradição oral dos Graciosenses durante muitas gerações e esta história poder-se-á ter passado ínumeras vezes, ainda que com contornos menos burlescos; Não deixa de ser curioso o facto de 35 arruaceiros terem conseguido afrontar e aterrorizar uma ilha inteira, que na altura deveria contar com mais de 6000 habitantes.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Efemérides

Foto de Henrique Matos

Passam hoje dez anos desde que a arte rupestre de Vila Nova de Foz Côa foi elevada a Património da Humanidade pela UNESCO, após vários anos de polémica e muita luta entre os que exigiam a construção da barragem e os defensores das gravuras. Num Portugal de betão e asfalto, onde a Cultura é e sempre foi acessória, a suspensão da construção da barragem em prol da conservação de milhares de gravuras com mais de 20 mil anos, foi meritório. Se fosse hoje, estou certo que se construía a barragem e ponto, de pouco interessa aos nossos políticos, reflexo da nossa sociedade, passar por cima de milhares de anos de história, mesmo que isso signifique apagar para sempre os traços legados por gentes que andaram aqui muito antes de nós e com os quais temos muito a aprender.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Sair da Ilha...

Contam os mais velhos que havia um homem no Guadalupe que em todos os seus anos de vida nunca saiu desta freguesia. Não sei até que ponto esta estória será verdadeira, mas a ser, mérito seja dado a alguém que nunca precisou de abandonar os poucos palmos de terra que conheceu, a alguém que nunca precisou de vir à vila tratar de papéis ou ir ao doutor. Para este modesto homem o Carapacho seria tão longe como Lisboa ou Nova Iorque.
Hoje o espaço que a ilha ocupa é muito menor do que as suas reais dimensões, já poucos se contentam com estes 62 quilómetros quadrados que foram em tempos um enorme continente e há que ir mais além porque esta Graciosa já não nos basta. A partir do momento em que nos apercebemos da nossa pequenez, deste mar que nos rodeia por todos os lados, viver na ilha torna-se difícil. Acontece a quem sai da ilha para estudar e de pouco valem as promessas dos políticos e o seu empenho em criar condições para que um dia, quem saiu, regresse e se cumpra. Porque a Graciosa não pode oferecer o que oferece São Miguel, Lisboa ou o Porto.

Alegro-me pelos que regressam à ilha, empenhados em fazer alguma coisa pela sua terra. Mas são sempre poucos, por muito valor que tenham. Os restantes, essa maioria que enche as nossas ruas no Verão, vão ficando lá por fora, a cumprirem-se longe da sua terra, das sua raízes e a cada Inverno que passa as ruas vão ficando desertas e pesam nos rostos dos que cá ficam essas ausências…