terça-feira, dezembro 30, 2008

Cemitério Judaico




Desgraçado do homem que aqui jaz, comido pelo sal que o mar embravecido atira à terra em dias de mau tempo, não tendo ninguém que, no seu repouso eterno, lhe faça companhia.
Este pequeno cemitério, feito de uma só sepultura e um só morto, é fascinante. Pouco sei das suas origens, nem sei se os ossos que ali estão são mesmo de um judeu ou de um qualquer pária condenado a ser enterrado longe da gente, a quem sempre incomodou essa outra gente, judeus, mouros, diferentes.

Reza a lenda que naquela sepultura foi enterrado um marinheiro judeu, que foi atirado às rochas negras da ponta de Santa Catarina após o seu barco ter ido a pique. Há que acreditar nas lendas, há sempre um pouco de verdade nas efabulações que passaram de boca em boca ao longo de gerações.
Mas não deixa de ser chocante, à luz dos nossos princípios, que tenham enterrado gente naquele ermo, facto que até era costume em tempos recuados, por medo, por simples discriminação (conheço mais um sitio na Graciosa onde enterraram uma moura, perto do mar e longe de gente).
Curiosamente, não muito longe deste cemitério, situa-se o Pico da Forca. Não me espantava então que o desgraçado que aqui repousa tenha tombado do cadafalso e sido atirado para aquele ermo. Fosse pelo que fosse não podia ser enterrado com cristãos.

Já no século XX, ergueram em boa cantaria um resguardo à sepultura que ainda hoje se salienta entre as rochas do mar, as paredes dos cerrados e as ruínas do forte de Santa Catarina. Uma única legenda nas pedras negras, porque aqui não importam nomes; Cemitério Judaico.


segunda-feira, dezembro 29, 2008

Visite a Ilha Graciosa


Encontrei este pequeno folheto entre uns jornais velhos. Trata-se de um prospecto turístico sobre a Graciosa e data da década de 60 do século XX e será, sem dúvida, uma das primeiras tentativas de promoção da Ilha Branca no exterior. Hoje, como ontem, visite a ilha Graciosa!

domingo, dezembro 28, 2008

Graciosa. Hoje...

Fotografia tirada hoje na Serra Branca. Ao fundo as casinhas brancas da Ribeirinha rodeadas pelo verde dos pastos e dos picos que guardam a ilha. Este é um dos meus miradouros preferidos da Graciosa e uma das paisagens mais fotogénicas dos Açores...

Os Goonies e Recordações de Infância


Tento pôr as dezenas de cassetes VHS que tenho em ordem. O reinado do DVD atirou-as para a pré-história e agora de pouco valem. Relíquias, mas mesmo assim não me quero desfazer delas, ainda que a qualidade da imagem se degrade a cada ano que passa e o espaço que ocupam naquela estante seja grande.

Encontrei um filme que já não via há muito tempo e que me é bastante querido, Os Goonies, e que marcou indelevelmente os anos da minha infância. Os Goonies narra a história de um grupo de miúdos em busca de um tesouro escondido, guardado num velho galeão pirata. Perdem-se em labirintos, escapam de armadilhas, fogem de uma familia de bandidos que também persegue o tesouro e, no fim, acabam por salvar as suas casas, ameaçadas por especuladores imobiliária.

Não sendo um documento fiel sobre a infância, é um filme bonito sobre amizade e camaradagem e retrata essa infância que eu adorava ter tido. Eu e qualquer um que tenha nascido nos anos 80. De certo modo até tive as mesmas aventuras por que passaram os Goonies; tantas e tantas vezes, com os meus amigos, brinquei à caça ao tesouro e me armei em pirata com espadas de madeira e pala no olho e guardamos tesouros em esconderijos. Uma vez por outra, um joelho rafado, um pé torcido, um par de nódoas negras nas canelas e um puxão de orelhas dos meus pais por sujar a roupa... Nunca encontramos verdadeiros tesouros, mas nada há de mais valioso que as recordações que hoje guardo desses dias já longinquos.

Os Goonies não são certamente o melhor filme de sempre, mas é que já não se fazem mesmo filmes destes...

sábado, dezembro 27, 2008

Graciosa. Ontem...

Guadalupe, anos 60 - Foto de António Brum Ferreira

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Pico Timão

Pico Timão nos anos 60 (Foto de António Brum Ferreira)

Passei há uns dias pelo Pico Timão, que se ergue altivo no coração da Graciosa. Há meses que não passava ali, por isso fiquei espantado com as dimensões da bagaceira que estão a abrir bem no centro da cratera. A cicatriz é por demais evidente e chocante, não tardará muito até que toda a cratera do Pico Timão esteja revolvida por máquinas e despida de vegetação. Uma cicatriz horrivel a marcar uma paisagem imaculada. Mas quem fica a perder é a Graciosa e os Graciosenses.

A extracção de inertes é, em qualquer lugar, uma questão delicada; sendo a Graciosa uma ilha pequena, com parte significativa da sua economia assente na construção civil, não se pode exigir que as empresas comecem a importar bagaça. Todavia tem de haver, por quem de direito, uma supervisão aos espaços onde estão implantadas as bagaceiras e um plano para a sua recuperação e reenquadramento paisagistico, coisa que embora até possa ser contemplada nas licenças de exploração, facilmente se esquece.

O Pico Timão, se as coisas continuarem assim, dificilmente voltará a ser como dantes, mas nós é que ficamos a perder. E quando a bagaça acabar ali, as máquinas passarão a esventrar a encosta da Caldeira, o Porto Afonso ou o Pico Negro?

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Feliz Natal - (A Vida de Brian)

É só pra desejar um bom natal, ao mundo e arredores...

terça-feira, dezembro 23, 2008

Moinhos


Guardam, mudos, esta terra Graciosa, elevando-se em pequenos montes sobre os campos da ilha, verdes de invernagem. Há muito que as velas deixaram de procurar vento; as armações descarnadas de pano são já ossadas, mas as cúpulas ainda se teimam a desenhar a negro contra um céu de fim de tarde.

sábado, dezembro 20, 2008

Regressei....

O fim de todas as nossas viagens, será regressar ao lugar de onde partimos e conhecê-lo pela primeira vez.
T.S Elliot

terça-feira, dezembro 16, 2008

Viajar: Montemor-o-Novo


Muitos dos primeiros povoadores da Graciosa, sairam desta terra, adormecida na pacatez do Alentejo, perto de Lisboa e às vezes tão longe do mundo (...ainda bem). Montemor-o-Novo é uma belissima cidade, aninhada à sombra do seu castelo, com ruas tranquilas enfeitadas com casinhas caiadas de branco e igrejas centenárias. Guardo boas lembranças das poucas semanas que lá passei e das pessoas que por lá conheci. Vale a pena demorar-nos aqui...

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Próximo Destino

A próxima viagem irá levar-me à Graciosa. Daqui a poucos dias ouvirei o velho Atlântico rabugento na sua prosa invernal, reencontrarei os contornos do Monte d´Ajuda, da Serra das Fonte e da Caldeira que trago desenhados no coração, despertarei para os cheiros dessa terra, descobrirei novas rugas nos rostos que conheço. Daqui a uns dias (que passem depressa) o trabalho e as preocupações hão-de ficar aqui no Continente, só levo comigo esta alegria de quem regressa ao Lar. Daqui a uns dias...

Viajar: Chaves (a Preto e Branco)


Farol da Ponta da Barca


quarta-feira, dezembro 10, 2008

Piratas, Flibusteiros e Arruaceiros

Chegaram até aos nossos dias vários relatos, escritos por autores antigos, sobre os piratas que de tempos a tempos desembarcavam nas costas desta ilha branca. Ainda que a famosa vitória das gentes da Graciosa sobre piratas argelinos seja contada amiúde, poucos lembram a história de outra batalha, que se desenrolou em meados do século XVII na Vila da Praia e cujo desfecho foi um pouco diferente do célebre triunfo de 1623.

A 16 de Fevereiro do ano da Graça de 1691, aportou em frente às casas sossegadas da Praia uma barlanda de bandeira inglesa, declarando na alfândega que trazia somente 6 tripulantes e uma carga de azeite e bacalhau. Pediram estes homens que lhes fossem enviados 4 ou 5 barcos para desembarcarem tão cobiçada carga, mas logo que os barcos alcançaram a barlanda os Ingleses apoderaram-se deles e prenderam a enganada tripulação.


Pelas 11 horas da noite, servindo-se dos barcos capturados, desembarcaram no porto cerca de 35 homens, bem armados com espingardas e lanças e logo ali mataram o meirinho da alfândega que ainda conseguiu, com os seus gritos, alertar alguns vizinhos que se apressaram a fugir. Os flibusteiros entraram livremente na vila e servindo-se de um dos tripulantes dos barcos capturados, dirigiram-se a casa do tesoureiro da igreja. Pediu-lhe o preso para que lhe fossem dadas as chaves da igreja pois havia um enfermo que requeria a Santa Unção. De boa fé, o tesoureiro entregou-lhe as chaves mas logo que viu os ingleses fugiu. Servindo-se do preso e de falsos pretextos, os ladrões foram de casa em casa, capturando os fidalgos e prendendo-os na igreja, podendo-se então entregar ao seu malévolo propósito já que o resto da população havia fugido para o mato e para as grutas do mar em busca de segurança.

Ao romper da lua soltou-se do improvável cárcere um moço, que pela madrugada correu a pedir auxilio às gentes de Santa Cruz. Imediatamente o capitão-mor desta vila tratou de reunir 200 homens armados que ao romper da aurora marcharam para a vila da Praia. Chegando este improvisado exército ao Alto do Quitadouro, que marcava o limite das duas jurisdições, optaram por construir uma muralha em pedra solta para impedir a passagem para a banda de Santa Cruz, contra a vontade de um douto clérigo, guardião de São Francisco, chamado Frei Gonçalo da Purificação, que achando de nada valer este esforço, propôs que se levassem duas peças de artilharia para o adro da igreja de Nossa Senhora da Guia e daí se afundassem os barcos aportados, impedindo a fuga dos ingleses, que vendo-se acossados e em aflição, não tardariam a depôr as armas. Consta pois, que o conselho não foi aceite.

Puseram os homens as mãos à obra e ainda antes que a muralha estivesse concluída, decidiram avisar o capitão-mor da vila da Praia, por onde acometeriam os Ingleses. Mas estes dominavam toda vila, guardando as ruas e entricheirados no adro da Igreja da Misericórdia e na Igreja de Santo António, fazendo frente a qualquer avanço das gentes da Graciosa. Ainda assim os homens de Santa Cruz investiram desordenados, até verem um dos seus cair morto com um tiro. Nova desordem. Gritaram, correram, saltaram paredes, abrigaram-se nas vinhas e esconderam-se nas casas. Estes Ingleses eram o diabo!

Após terem saqueado casas e igrejas e tudo o mais que havia para roubar, os piratas embarcaram todo o espólio no barco, servindo-se para isso dos fidalgos que aprisionaram, descalços e despidos, da maneira que da cama os tinham tirado. Quando viram a pólvora a acabar, decidiram pedir tréguas, enviando o capitão António Correa sob escolta junto aos homens de Santa Cruz. Embora o capitão tenha insistido num novo ataque, as tréguas foram conseguidas e os Ingleses conseguiram sair do porto, levando consigo alguns prisioneiros com o intuito de pedir resgate.Os homens da terra tentaram afrontá-los uma ultima vez, disparando os arcabuzes, mas nada conseguiram. Algum tempo depois, decidiram os ingleses, soltar um dos prisioneiros em terra para lhes mandar 200 patacas e 4 pipas de vinho. O dito homem, ainda que não tenha conseguido a quantia exigida, tentou iludi-los com 4 pipas vazias, mas esta gente era difícil de ludibriar. Dos restantes prisioneiros, 2 fugiram atirando-se ao mar, mas deram mortos à costa do Faial e os outros foram deixados na Ilha do Fogo, onde estava o bispo dos Açores que logo os tratou de enviar para a Terceira, juntamente com algum do saque das ermidas e igrejas profanada.

Algum tempo depois estes piratas foram interceptados nas costas da Mina por uma fragata Inglesa. As versões contraditórias sobre como tinham adquirido o espólio e as acusações trocadas entre si, levaram-nos a ser acusados de pirataria e condenados à forca.

Assim acaba esta história, resgatada de memórias longínquas nestas linhas mal alinhavadas. O medo dos piratas subsistiu na tradição oral dos Graciosenses durante muitas gerações e esta história poder-se-á ter passado ínumeras vezes, ainda que com contornos menos burlescos; Não deixa de ser curioso o facto de 35 arruaceiros terem conseguido afrontar e aterrorizar uma ilha inteira, que na altura deveria contar com mais de 6000 habitantes.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Efemérides

Foto de Henrique Matos

Passam hoje dez anos desde que a arte rupestre de Vila Nova de Foz Côa foi elevada a Património da Humanidade pela UNESCO, após vários anos de polémica e muita luta entre os que exigiam a construção da barragem e os defensores das gravuras. Num Portugal de betão e asfalto, onde a Cultura é e sempre foi acessória, a suspensão da construção da barragem em prol da conservação de milhares de gravuras com mais de 20 mil anos, foi meritório. Se fosse hoje, estou certo que se construía a barragem e ponto, de pouco interessa aos nossos políticos, reflexo da nossa sociedade, passar por cima de milhares de anos de história, mesmo que isso signifique apagar para sempre os traços legados por gentes que andaram aqui muito antes de nós e com os quais temos muito a aprender.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Sair da Ilha...

Contam os mais velhos que havia um homem no Guadalupe que em todos os seus anos de vida nunca saiu desta freguesia. Não sei até que ponto esta estória será verdadeira, mas a ser, mérito seja dado a alguém que nunca precisou de abandonar os poucos palmos de terra que conheceu, a alguém que nunca precisou de vir à vila tratar de papéis ou ir ao doutor. Para este modesto homem o Carapacho seria tão longe como Lisboa ou Nova Iorque.
Hoje o espaço que a ilha ocupa é muito menor do que as suas reais dimensões, já poucos se contentam com estes 62 quilómetros quadrados que foram em tempos um enorme continente e há que ir mais além porque esta Graciosa já não nos basta. A partir do momento em que nos apercebemos da nossa pequenez, deste mar que nos rodeia por todos os lados, viver na ilha torna-se difícil. Acontece a quem sai da ilha para estudar e de pouco valem as promessas dos políticos e o seu empenho em criar condições para que um dia, quem saiu, regresse e se cumpra. Porque a Graciosa não pode oferecer o que oferece São Miguel, Lisboa ou o Porto.

Alegro-me pelos que regressam à ilha, empenhados em fazer alguma coisa pela sua terra. Mas são sempre poucos, por muito valor que tenham. Os restantes, essa maioria que enche as nossas ruas no Verão, vão ficando lá por fora, a cumprirem-se longe da sua terra, das sua raízes e a cada Inverno que passa as ruas vão ficando desertas e pesam nos rostos dos que cá ficam essas ausências…

sexta-feira, novembro 28, 2008

Alto Douro


Adoro o Alto Douro, desde o primeiro dia que contemplei estes socalcos e estes montes íngremes que correm para o Rio. Adoro esta terra agreste quase tanto como a minha terra graciosa e sempre que o tempo me permite corro para lá e esqueço-me de olhar para os ponteiros do relógio, esqueço-me da televisão, do telemóvel e do computador.

Delicio-me com o cheiro a ancestralidade de um modo de vida bem diferente do que conheço, com esta aldeia antiga de granito e xisto que me acolheu, com estas gentes de carácter duro que me tratam como se fosse um deles. E depois esta paisagem… Não há fotografias que consigam captar a vasta imponência destes montes de vertentes sinuosas, que no verão parecem banhadas a ouro e no inverno perfumadas a giesta e a oliveiras prontas para a colheita. Amo este Portugal profundo e ostracizado porque Portugal é aqui.

terça-feira, novembro 25, 2008

Fotografias da Minha Graciosa - 5



A falta de tempo, essa doença crónica que nos aflige e aliena, tem-me impedido de escrever as linhas mal alinhavadas que costumo "postar" neste cantinho só meu e que me tem servido para aliviar as saudades desse cantinho só nosso, gracioso torrão de terra insular do qual tenho andado afastado.
Pudera eu ter tempo para escrever tudo o que quero escrever sobre a nossa terra... A falta de tempo consome-me. Seja como for este espaço ainda não morreu e se foi útil a alguém, de dentro ou de fora da Graciosa, alegro-me e considero cumpridos os objectivos aos quais me propus hà um par de anos quando o iniciei.
Resta-me agradecer aos que visitam o Ilha Branca... e agora regresso ao trabalho.

domingo, novembro 23, 2008

Queixa das Almas Jovens Censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Natália Correia, in "O Nosso Amargo Cancioneiro"

domingo, novembro 16, 2008

Deolinda - Movimento Perpétuo Associativo

Genial...
Como dizia alguém "isto é o mais puro hino à essência do portuguesismo"... Movimento Perpétuo Associativo a hino nacinal!!!

Cruzes

Imagem: Wikipédia

Conheço pessoas mais antigas, a quem não falta fé, que ao passar por cruzamentos, levam a mão direita à fronte e fazem o sinal da cruz, proferindo entredentes poucas palavras que nunca cheguei a perceber. A este costume verdadeiramente ancestral estão também associados as cruzes e cruzeiros que em silêncio guardam cruzamentos e bifurcações dos caminhos e que traduzem o medo das gentes por esses sítios, assombrados pelo demónio, ponto de encontro de bruxas e criaturas malfazejas que importunavam quem queria chegar a casa.

Na Graciosa existem uns quantos cruzeiros, em ferro ou em pedra, mais ou menos discretos. O mais conhecido é a cruz da Barra, situada numa bifurcação, ex-líbris da vila de Santa Cruz. A cruz do Bairro, a cruz do Barro Branco, a cruz da Terra do Conde e a cruz junto à praça de toiros do Monte d´Ajuda são outros, encontrando-se todos em cruzamentos ou bifurcações. Havia que escolher bem o caminho, fosse o que nos levasse a casa, fosse o que nos conduzisse à Salvação.

terça-feira, outubro 28, 2008

Árvores

Os primeiros cronistas a escrever sobre a Graciosa referem que à data da sua descoberta esta ilha estava coberta por espesso arvoredo, mas pouco mais de dois séculos depois de ter sido povoada já se apresentava “toda descoberta e sem matos” (Frei Diogo das Chagas) em resultado dos arroteamentos que depressa se estenderam a quase toda a sua superfície. Em inícios do século XIX iniciou-se o repovoamento florestal da ilha com vista sobretudo à produção de lenha, cobrindo-se alguns picos com Faia, que era até há poucas décadas a espécie dominante até à introdução do Incenso, actualmente subespontânea em todo o arquipélago e que pelo seu rápido crescimento e proliferação veio a tomar o lugar a outras árvores. O manto arbóreo que cobre hoje algumas partes da ilha branca, além de bastante reduzido, é constituído por espécies exógenas que se vieram impôr aos endemismos açóricos. Importava pois a quem de direito plantar e zelar pelo crescimento de uma floresta verdadeiramente nossa, tal com a Madeira que encerra no cocuruto dos seus picos a vegetação primitiva que os primeiro povoadores vieram encontrar e que hoje é Património da Humanidade.

domingo, outubro 12, 2008

Forte do Corpo Santo



Memoria descriptiva


Capitulo 1.º– Descripção e historia da propriedade

Na Villa e concelho de S.ta Cruz da Ilha Graciosa, districto administrativo de Angra do Heroismo, e que constitui o commando central militar dos Açôres, e no logar chamado do Corpo Santo ha uma bahia ou enseada para a defeza da qual se construio o Forte denominado do Corpo Santo. (...) É de forma exagonal, e montava 9 boccas de fogo como se vê da respectiva planta. Tinha no seu recinto uma pequena casa, e da qual só existem as paredes.Não ha monumentos certos da sua edificação, mas parece que já existia quando em 1710 o general Couto Castello-Branco inspeccionou as fortificações açorianas, segundo o Archivo dos Açôres.(a) Pertence á freguesia e Commarca de Sta. Cruz.

Capitulo 2.º– Condicções de construcção

As muralhas que olham ao mar foram construidas de basalto e tufo argamassado, o que lhe dava garantias de alguma solidez; porem a da góla é uma parede e que tem resistido por não ser batida pelo mar e estar abrigada pelas casas que lhe ficam proximas.

Capitulo 3.º– Estado de conservação

Está em pessimo estado, faltando-lhe parte do lagêdo que guarnecia as muralhas, e o existente está solto tendo-lhe cahido a argamassa em que assentava. As muralhas interiormente estão damnificadas bastante bem como as canhoneiras. As casas só tem as paredes e estas em máo estado. O fórte ainda se conserva fechado com um máo portão.

Capitulo 4.º– Fim a que foi destinado e qual a sua actual applicação

A defender o desembarque no porto da Villa. Actualmente está desartilhado, e conserva um portão ainda que máo por haver ali um páo de bandeira para se arvorar esta quando ali passam navios de guerra, etc. Está a cargo do commandante militar da Ilha.
(...)


Quartel em Angra do Heroismo, 20 de junho de 1885.

Damião Freire de Bettencourt Pego C.el em comm.ão

terça-feira, outubro 07, 2008

O Provincianismo segundo Fernando Pessoa

"Se, por um daqueles artificíos cómodos pelos quais simplificamos a realidade com intenção de a compreender, quisermos resumir num sindroma o mal superior Português, diremos que esse mal consiste no provincianismo (...). O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela, em segui-la mimeticamente com uma subordinação inconsciente e feliz."

domingo, outubro 05, 2008

Fotografias da Minha Graciosa - 3



"Toda a ilha é quasi toda defendida pelo áspero da costa e restingas de pedra e o mar ser bravo, e por onde a costa é baixa tem parapeito para cobrir a gente, com alguns fortins ou reductos e cruzam em algumas pontas de uns a outros, para defensa das enseadas e ainda que sejam sem arte, é o que basta”
António do Couto (1709)

domingo, setembro 28, 2008

Metallica - The Day That Never Comes

Um videoclipe fantástico para uma musica fantástica...Um regresso em grande!

segunda-feira, setembro 22, 2008

Pico Negro



“O Pico Negro, fica na rocha do Noroeste, e sobre ella se eleva sobranceiro ao mar em medonho despenhadeiro. È formado de pedra queimada, e bagacina: inteiramente escalvado, e árido torna-se quasi inaccesivel pelos seus escarpados e íngremes trilhos. Conserva em seu pináculo uma eira, para onde por estreita e arriscada vereda os habitantes da ilha, hiam gosar seus charambas, e folganças na tarde do dia da Senhora d´Ajuda, depois da festa.”


Félix José da Costa - Memória Estatística e Histórica da ilha Graciosa (1845)

quinta-feira, setembro 18, 2008

Fotografias da Minha Graciosa - 2


Jimi Hendrix - Wild Thing (live) (Guitar Sacrifice)

Jimi Hendrix morreu há precisamente 38 anos... Foi o melhor guitarrista de sempre, um prodigio que soube fundir o melhor da musica americana, o blues e o rock, um icone máximo da geração peace and love, que pouco tempo depois perdeu outro dos seus simbolos, Janis Joplin. Foi o fim de um sonho...

terça-feira, setembro 16, 2008

quarta-feira, agosto 20, 2008

Vidas de Trabalho


Não é difícil imaginar o que foi a Graciosa há dois ou três séculos atrás, antes da quebra de produção que se começou a notar a partir dos anos de 1800. Esta ilha era um campo cultivado quase na sua totalidade como o atestam os relatos da época. Desde as vinhas no Pico Negro, passando pelas searas no Guadalupe e os pomares e quintais da Luz, de tudo as gentes da Graciosa cultivavam, não apenas para provir ao seu sustento mas sobretudo para a exportar. Aqui os números espantam-nos. A Graciosa produzia e exportava quase tanto como as ilhas maiores do arquipélago.

Os Graciosenses tiravam o máximo proveito destes parcos 62 Km2, não havia terra que não desse o seu proveito, até mesmo os cocurutos dos picos. Imagine-se as mãos necessárias a este árduo labor. Milhares. No século XVIII a Graciosa sofria de excesso de população, existiam mais de 10 000 almas a partilhar o quotidiano neste espaço bastante limitado. Pobres eram mais que muitos, vivendo em casas exíguas (muitas ainda cobertas com colmo ou cana), dispersas ao longo dos caminhos, penetrando no campo, acompanhando os cerrados e as vinhas. Os trabalhadores rurais que constituíam a maior parte da população da ilha possuíam um ou outro alqueire de terra de onde tiravam o seu sustento. A maior parte da terra era pertença de poucos, a quem os trabalhadores pagavam rendas, muitas vezes elevadas e com quem trabalhavam à jorna. Labutavam de sol a sol. As rixas por questões relacionadas com a posse da terra seriam relativamente frequentes numa ilha com elevada densidade populacional. Houve quem se queixasse deste clima de tensão e insegurança e pedisse que fossem tomadas medidas, de facto pouco podia ser feito e nem a tentativa de aliviar a carga populacional com a saída de uns quantos casais para as terras do Brasil surtiu algum efeito.

As festas de verão seriam esperadas com particular entusiasmo. Não é difícil imaginar a chiadeira dos carros de bois nos caminhos que conduziam á Beira Mar da Vitória ou à Luz nos dias das respectivas festas. Mais do que tudo era uma fuga á monotonia do quotidiano e a vidas cinzentas, para no dia seguinte voltar à mesma labuta.

terça-feira, agosto 19, 2008

Agradecimento mui Sentido à Atlânticoline


Obrigado atlânticoline por tão bem nos servires,
Por pores a tua frota ao serviço desta ilha,
Pelos teus barcos que navegam por entre tempestades épicas para trazerem gente à nossa terra,
Pela segurança que oferecem quando navegamos entre baixas e escolhos,
Pelos horários flexíveis,
Pela simpatia do serviço, no mar e em terra,
Nós, pouco deVOTOS, não merecemos tamanha deferência, a sério…
Porque gostamos de ser ostracizados,
Porque não precisamos aqui de visitantes,
Porque não queremos que a Terceira ou o Faial se ressintam de lhes roubarmos turistas,
Porque, em verdade, até já nos habituamos ao embargo e nos vamos geminar com Cuba…


Obrigadinho Atlânticoline por nos fazeres sentir orgulhosos de sermos Açorianos !!!


p.s – Tomara que conseguisses prestar àqueles senhores do governo o serviço que nos prestas a nós…

Arcade Fire - No Cars Go

Música para um fim de tarde de Agosto =)

segunda-feira, agosto 18, 2008

Alto Douro (outra vez)


Adoro esta terra agreste, criada pelo rio e moldada pelos homens, adoro estes montes recortados a água e vento, despidos de árvores, com aldeias de xisto e granito presas nas suas alturas, os caminhos serpenteantes guardados por oliveiras plantadas no tempo dos Romanos, os vinhedos a despenharem-se lá do alto nas águas apressadas do Douro. O rio. Não há outro. Ou melhor, há mas chamam-lhes o Côa, o Tua, o Sabor. Este é O rio. Esta terra é um feudo desse rio, que a rasga a meio mas não a deixa separar.

domingo, julho 20, 2008

Água


Levantamento dos pontos de água da ilha Graciosa por José da Silva Maia no ano de 1902

sábado, julho 19, 2008

A bom entendedor...

"O português actual é dolicocéfalo, ortocéfalo (quase camecéfalo), metriocéfalo (quase acrocéfalo), levemente eurimetópico, de buraco occipital mesossema (quase megassema), leptoprósopo, cameconco ou mesoconco, leptorrínico, fenozígico (quase criptozígico), mesostafilino (quase leptostafilino), ortognata e megalocéfalo."

A. A. Mendes Correia, Povos Primitivos da Lusitânia, p. 327

terça-feira, julho 08, 2008

O Acidente de Aviação da Brasileira - 13 de Julho de 1929

Os majores Kubala e Idzikowski a bordo do avião que se despenhou na Graciosa

Durante os anos 20 uma série de voos pioneiros estabeleceram as bases para as ligações transatlânticas via aérea. O acidente de aviação da Brasileira no verão de 1929 foi o trágico fim de uma dessas tentativas de ligar o velho e o novo mundo, apoiada pelo então governo nacionalista da Polónia. O avião, um bombardeiro Amiot 123, a que foi dado o nome de Marszałek Piłsudski, era pilotado por dois oficiais, o Major Ludwik Idzikowski ( comandante) e o Major Kazimierz Kubala (co-piloto) Era a segunda tentativa levada a cabo por esta tripulação e por este avião de efectuar a travessia, depois de verem os seu esforços gorados no ano anterior.
Os pilotos descolaram às 3:45 hora da madrugada do dia 13 de Julho de 1929 do campo de Le Bourget em França. Depois de terem voado 2 140 km, já sobre o Atlântico Norte central, por volta da 17:00 horas, o motor começou a perder rotações e a emitir ruídos e vibrações anormais. Decidiram então aterrar na ilha do Faial, Açores, em cujas proximidades estariam. Iniciaram então a aproximação à ilha, com bom tempo, mas visibilidade reduzida.
Já quando anoitecia, por volta das 21:00 horas (19:00 horas locais), a situação piorou e Idzikowski decidiu fazer uma aterragem de emergência o mais próximo de terra que lhe fosse possível. Depois de terem sobrevoado por diversas vezes a ilha Graciosa, a maioria do tempo entre nuvens, optaram por aterrar num campo junto ao lugar da Brasileira, na freguesia do Guadalupe, na zona central da ilha. Estando já a anoitecer, o local escolhido foi inadequado, já que um conjunto de muros de pedra solta, alguns deles escondendo desníveis de mais de um metro, constituíam obstáculos que o avião dificilmente poderia atravessar. Em resultado, o avião embateu num dos muros e capotou, ficando com os rodados para o ar.
Na colisão Idzikowski ficou gravemente ferido e encarcerado nos destroços do avião enquanto Kubala sofreu apenas ferimentos ligeiros, saindo dos destroços pelos seus próprios meios. A população local, então empenhada na ceifa e debulha do trigo, tinha visto o avião circundar a ilha várias vezes e apercebeu-se do acidente. Acorreram então em socorro dos pilotos, mas no processo de tentar desencarcerar Idzikowski, já noite escura, trouxeram um archote, o qual incendiou o avião, incinerando o piloto.
O corpo de Idzikowski foi levado para Santa Cruz da Graciosa onde aguardou a chegada do veleiro ORP Iskra, da marinha de guerra polaca, que o transportou para a Polónia. Foi sepultado com honras de Estado a 17 de Agosto de 1929 na Alei Zasłużonych do Cemitério de Powązkowsk de Varsóvia (Cmentarzu Powązkowskim w Warszawie), onde uma lápide funerária o recorda. Na Graciosa, junto ao local onde ocorreu o acidente, nas proximidades da Brasileira, um cruzeiro, construído em 1939 com parte doso destroços, e uma lápide também o recordam. O local foi visitado em 1979 pelo embaixador polaco em Portugal, numa cerimónia que assinalou os 50 anos do acidente.
O major Ludwik Idzikowski recebeu a condecoração Virtuti Militari de 5.ª classe, a Krzyz Walecznych (três vezes), a Cruz Dourada de Mérito (Złotym Krzyżem Zasługi) e a cruz de oficial da Ordem da Polonia Restituta (Krzyżem Oficerskim Orderu Odrodzenia Polski).





Fonte: Wikipedia

Grateful Dead - St Stephen

Musica para um fim de tarde de Julho...=)

Vale muito a pena ver...

A Graciosa, finalmente, no Google Earth...

segunda-feira, julho 07, 2008

Barro Vermelho


Hoje queria estar aqui...

No Barro Vermelho que cheira a mar e basalto, no Barro Vermelho à sombra dos salgueiros.

A pouco menos de 3 quilómetros de Santa Cruz é um óptimo lugar para passar umas horas sossegado, à espera que o peixe morda o anzol, à espera que depois asse nas brasas. E o Atlântico a beijar a pequena baía, guardada por rochas nuas, com uma discreta praia de bagacina vermelha a convidar a um mergulho. Traz-se a tenda, deixa-se em casa o que é de casa e por aqui nos podemos perder o tempo que quisermos.

sábado, junho 21, 2008

Viva ao Verão!


O verão sempre foi a minha estação preferida, porque não tinha aulas, porque os dias eram enormes, pelas festas do Senhor Santo Cristo, pela familia que vinha das Américas, pelo mar onde podia nadar. Este dia, o maior do ano, marcava o inicio desta estação maravilhosa, pela qual ansiava durante os chuvosos dias de inverno. Para os antigos o equinócio de verão significava o inicio das colheitas, o trabalho duro sob um sol flagelador para que nos meses de invernagem se tivesse algum sustento. Outros tempos.

Viva ao verão!

quarta-feira, junho 18, 2008

monty python football

A propósito do Campeonato da Europa... (segundo a melhor equipa de humoristas do mundo..)

sábado, maio 31, 2008

Já não se fazem filmes destes...

Amarcord (1973) realizado por Fellini e escrito a quatro mãos com Tonino Guerra.
Um dos filmes mais bonitos da história do cinema.

sábado, maio 24, 2008

Monte de Nossa Senhora da Ajuda

Santa Cruz aninhou-se no sopé do Monte d´Ajuda, guardião silencioso do casario branco da vila, coroado por três capelinhas que resistem ao esquecimento.
Há algo neste quadro que me lembra a Pompeia romana, espraiando-se indolentemente nas encostas do Vesúvio, desconhecendo de todo a sua verdadeira natureza. Mas Pompeia é longe…

Santa Cruz derramou-se por sobre o magma solidificado cuspido das entranhas da terra pela boca deste pico de contornos femininos, mas rudemente masculino na sua essência vulcânica. Desde a Pesqueira até quase ao Barro Vermelho são pedras vomitadas por alguma erupção deste Monte d´Ajuda quando ainda nem havia História. No Charco da Cruz, paralelo ao caminho, para Norte, ainda se sente o declive criado por uma infernal escoada de rocha incandescente. As ervas e as árvores e depois os Homens tomaram conta da rocha viva. Do Monte que a pariu também.
Chamaram-lhe Monte das Violas, foi cultivado, abriram-se caminhos e fizeram-se muros de pedra negra. No cocuruto construíram uma igreja, depois outra e depois outra e mudaram-lhe o nome. Na caldeira que foi inferno ergueram uma praça de toiros (não há-de faltar engenho a esta gente). As árvores voltaram a vestir o monte.

Hoje é um belo passeio, desde a beira dos pauis até lá acima, 200 e poucos metros de altitude que se devem subir devagarinho, à sombra do arvoredo, descansar um pouco quando se chega á primeira cruz. Existem mais duas lá mais em cima, junto á igreja. Dizem que esta foi posta aqui para que aqueles que iam em romaria e não conseguiam chegar à igreja, pudessem rezar neste lugar. Sobe-se o caminho que falta e descortina-se uma porção da ilha. O pico Negro, lá ao fundo é ponto final. A Terra do Conde, a Brasileira, a Beira Mar e o Calhau Miúdo, mudos. Atrás de nós a Serra das Fontes, vetusta. Santa Cruz e a Barra a pique sobre os nossos pés, o Monte vai cair sobre elas. Há uns quantos carreiros, rasgados no declive e escondidos pela vegetação que convidam à deambulação. Santa Cruz não poderia ter melhor jardim, ainda que pudesse ser melhor aproveitado. Agora custa é descer…

quinta-feira, maio 22, 2008

O Pomar das Laranjeiras


Jurarei

Eterno amor

Saudades

A vida inteira

Ao nascer do sol

No pomar das laranjeiras


E se o dia

Não vier

Voltarei

De qualquer maneira

Só para te ver

No pomar das laranjeiras


É tão grande

O meu amor

Foi assim

Logo a primeira

Só será maior

No pomar das laranjeiras


Pedro Ayres de Magalhães

quarta-feira, maio 21, 2008

Descanso...


Em Fevereiro vim até aqui, perdi-me nas margens de um rio que separa as terras de Pinhel das da Mêda. Nem vivalma nas redondezas, só eu e um pequeno grupo de bons amigos. Descanso merecido, do trabalho para uns e das aulas da Faculdade para outros. Há recantos desta terra onde poucos se atrevem a chegar, por falta de vontade e porque o carro não os consegue levar lá. Mas tanto melhor para quem preza estes espaços pristinos, esquecidos por entre fragas e barrancos. Demoramo-nos aqui, encantados, um pouco cansados. Se nem o rio tem pressa, porque haveríamos nós de a ter?

domingo, maio 18, 2008

Joy Division - Love will tear us apart

Há algo em Ian Curtis que me fascina, nem sei bem o quê, mas fico magnetizado quando escuto aquela voz que parece carregar toda a dor do mundo, lamentos de uma alma atormentada que hoje se contam entre as mais bonita musicas que conheço. Bonitas e negras. Ian Curtis pôs termo à vida no dia 18 de Maio de 1980, ainda não tinha 25 anos. Morre cedo aqueles que os deuses amam. RIP Ian Curtis

Baleia


O escritor americano Hermann Melville, autor do universal Moby Dick pôs entre as personagens do malfadado Pequod do capitão Ahab um açoriano. Mellville, que por aqui passou, diz que os habitantes destas ilhas contam-se entre os melhores baleeiros do mundo, não espanta pois que os grandes navios baleeiros de Nantuckett fossem presença frequente nestas águas, não só pela presa.
Sei muito pouco acerca da caça á baleia na Graciosa. Conheço uns quantos antigos baleeiros, verdadeiros lobos do mar de mão calejadas e tez queimada, olhar salgado e de quando em vez ouço as histórias que contam. Imagino, só posso imaginar, a dureza deste trabalho e a árdua luta contra o mar e contra o cachalote. Contra tais adversários os riscos eram mais que muitos; a tragédia que ceifou a vida a uns quantos desgraçados na década de 60, já dentro da baia da Barra, é prova disso.
A caça à baleia terminou nos inícios da década de 80 quando já poucos botes restavam. Restam hoje as recordações e um património que até há pouco tempo esteve em vias de se perder e que aos poucos vai sendo recuperado, e mais importante, estimado por todos os Graciosenses.

Fortificações

As gentes que vieram povoar as ilhas atlânticas tiveram como necessidade primária a protecção contra as ameaças que vinham do mar, sob a forma de ataques concertados de nações estrangeiras ou actos esporádicos de pirataria. Foi necessário desde o início criar condições que permitissem suster e repelir estas acções belicosas, criando guarnições e milícias armadas e sobretudo infra-estruturas amuralhadas que guarnecessem os pontos mais acessíveis das costas insulares.
A ilha Graciosa teve de tirar partido da sua aparente vulnerabilidade; se por um lado os recursos humanos disponíveis eram muito mais limitados do que em ilhas de maior superfície, também é verdade que o esforço dispendido na guarda de uma costa pouco extensa, como é o caso, era menor. Ainda assim o inventário dos fortes da ilha branca ascende a um número bastante significativo, treze, o que por si só exprime a grande ameaça que pairava sobre a sua população. Em verdade são vários os escritos de época sobre ataques piratas e na tradição oral das gentes mais antigas ainda estão bem vivas as estórias dos “mouros” que de tempos a tempos desembarcavam nas costas mais ermas da ilha com o intuito de a saquear. A pirataria foi, mais do que as convulsões tectónicas ou a fúria vulcânica, um dos maiores medos de quem aqui viveu em séculos idos.

domingo, abril 27, 2008

sábado, abril 26, 2008

Bruxas, Lambuzões e Diabretes


As estórias que ouvia da boca dos antigos não raras vezes versavam sobre as figuras sobrenaturais que em noites de breu assombravam os caminhos. Visões aterradoras de seres demoníacos com quem ninguém gostaria de se encontrar. Parece que em tempos idos o diabo andava à solta nesta terra, sob múltiplas formas; as bruxas, os lambuzões e os diabretes constituíam esse estranho séquito de figuras demoníacas, que espalhavam o medo nestas pacatas freguesias.
Em noites de lua cheia, ouvia-se as bruxas reunidas nos matos, em danças e cantos infernais, que faziam tremer até o homem mais afoito. As gentes trancavam-se nos quartos com medo. O meu avô certa noite foi seguido até casa pelo som de umas violas e a minha avó contava que ao passar numa noite escura à igreja do Guadalupe, sem ninguém por perto, ouviu uns risos vindos por certo do inferno. A ronda das mafarricas. Mas as bruxas, pese o facto de serem bruxas, eram recatadas. As tropelias que aconteciam eram obra sobretudo dos diabretes, pequenos seres de aparência hedionda que se reuniam lá no cimo da serra à beira da Caldeirinha e aterrorizavam quem passasse pelo caminho a certas horas da noite. Evitava-se sair de casa depois do sol se pôr, evitando-se assim o mal que advinha de se cruzar com uma bruxa ou com um diabrete. Ninguém queria ter problemas com servos do diabo. Até conheço dois ou três casos de quem se tenha encontrado de cara a cara com o tinhoso, tentando desviar almas de bem para caminhos dúbios, como o auto vicentino. Mas havia uma reza que invocada nestes momentos servia de protecção e resolvia este grande mal: “Quando saí de casa fiz o sinal da cruz, rebenta Satanás pelo santo nome de Jesus” e logo ali o demónio desaparecia e deixava a pessoa seguir o seu caminho.
A mais original figura da mitologia insular era o lambuzão, nome que não existe no dicionário mas que julgo tratar-se de uma corruptela da palavra lobisomem, adaptada à realidade das ilhas, onde não havia lobos mas havia outros bichos. O lambuzão nascia amaldiçoado (se não estou em erro esta sina recaía sobre o sétimo filho de entre treze irmãos) e em determinadas noites transformava-se em uma qualquer besta, geralmente um porco. O ser lambuzão era um fardo, embora não mantivesse a consciência das suas acções, regra geral nunca agia por maldade. Conta-se aquela estória de uma mulher que estando na sua cozinha, entrou um porco pela porta e começou a roer-lhe a saia. Assustada ela enxotou o animal para não o tornar a ver. No dia seguinte o marido chegou a casa e ela, para desgraça do casal, constatou que o homem trazia preso entre os dentes algumas fibras vermelhas iguais às da sua saia.
É esforço vão arranjar explicações para estas crenças, enraizadas na cultura popular, verdadeiramente ancestrais e anteriores a quase tudo o que conhecemos. Bruxas, diabretes e lambuzões sempre os houve, em todos os lugares, com diferentes nomes, mesmo que não se acredite. Ou como dizem os nossos vizinhos “no creio en brujas, pero que las hay, hay.”

sexta-feira, abril 25, 2008

25 de Abril



25 DE ABRIL


Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo



Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, abril 20, 2008

Preguiça...


Jantei na Preguiça com um grupo de bons amigos numa noite quente do princípio de Agosto. Os anos do Félix. Mesa posta cá fora no terraço. Lascivamente, sobre a toalha branca, os melhores petiscos durienses. À minha frente o rio e do outro lado uma vertente inclinada e infinita esculpida em socalcos, pintada em muitos tons de verde e castanho. O canto ininterrupto das cigarras, musica de fundo para as nossas conversas, parecia ecoar por todo o vale. Parabéns Félix. Lá em cima, lá muito em cima, as estrelas. Nem uma nuvem no céu. Um brinde. O cheiro a erva seca, a uvas quase prontas para a vindima, a água do rio. Uma noite perfeita, pareceu-me que nada do que a vida me pudesse dar então iria fazer falta. Só este momento. Felicidade.

sábado, abril 19, 2008

A Fundação de Santa Cruz - Parte II

Foto de António Brum Ferreira

Evidenciando uma mentalidade de senhor feudal, Pedro Cunha procurou um sítio destacado para construir a sua residência que seria, mais do que qualquer outra coisa, um símbolo do seu poder. Não longe do núcleo de povoamento inicial, para Este, existia um pequeno outeiro que naquele tempo se deveria destacar na primitiva paisagem Graciosense e permitia ter vista larga sobre o mar e sobre a costa baixa de Santa Cruz. Foi nesta elevação, o actual Pico das Mentiras, que o capitão mandou construir a sua residência fortificada que se assemelharia a um castelo, justamente o nome que este local ostentou até pelo menos aos inícios do século XX. A residência situava-se sobranceira às terras para onde Santa Cruz cresceria; era bastante importante que também da terra, e não só do mar, se vissem as muralhas e se interpretasse o seu significado; aquela terra tinha um senhor.

Bob Dylan - Like A Rolling Stone 1966

É só p´ra dizer que dia 11 de Julho vou ver este senhor...

sexta-feira, abril 18, 2008

Avó

A minha avó cozia pão num forno a lenha, numa altura em que os ainda havia em bom estado nesta ilha. Todos os sábados repetia essa rotina, já se esquecera de quem a ensinara, -se é que a ensinaram - fazia isto deste que se lembrava de ser pisca de gente.
Transportava os molhos de videiras podadas, amarradas com piteiras, para a cozinha e graveto a graveto aquecia o forno. Já a massa preparada de véspera, benzida com uma cruz, repousava em dois alguidares grandes, um vermelho para o pão de trigo e um cinzento para o pão de milho, assentes num velhinho e tisnado banco de madeira. Havia ainda outro alguidar mais pequeno para as rosquilhas e tabuinhas-de-lavar e no tempo delas, um tabuleiro de pevides. Em movimentos rápidos e sabedores tendia a massa, punha-a na pá e ela desaparecia na boca negra do forno para voltar a sair umas horas depois. Ao sábado a cozinha era uma azáfama. Se era inverno tanto melhor, o calor do forno chegava de uma ponta a outra da casa, passava pelo sobrado até ao meu quarto e eu rejubilava. Á noite pegávamos num pão, quente, abafado debaixo de umas manta grossas, a minha avó, ainda de avental enfarinhado, partia-o em fatias e barrava-as com manteiga para mim e para a minha irmã. O pão de milho era comido no domingo, com as lapas. Havia umas quantas brindeiras destinadas a serem dadas “por alma dos nossos” a quem passasse por lá.
Uns anos antes de falecer a minha avó deixou de cozer pão.
Aos poucos aquela abóbada de pedra queimada abate-se, é cada vez menos um forno. A chaminé de mãos postas suplica.
As saudades que eu tenho do pão de trigo acabado de sair do forno, mas mais do que tudo, as saudades que eu tenho da minha avó, da sua força, das suas rugas, da sua tez queimada, das suas mãos velhinhas. Se fosse viva faria hoje anos…

Caro jbc...

Desconheço também a data exacta de elevação de Santa Cruz a vila, mas em verdade nunca empreedi a aturada pesquisa que o tema exige. E não conheço nenhuma referência em escritos da época a uma data especifica. O unico documento que nos permitiria resolver definitivamente essa questão seria a carta de Foral, mas tanto quanto sei ela nunca foi encontrada. Provavelmente nunca existiu. São inumeros os casos de povoados elevados a vila no reinado de D. João II e D. Manuel sem ter havido Foral. Não me surpreenderia que Santa Cruz fosse um destes casos. É claro que posso (e nem me importava) estar enganado e a carta de Foral da vila de Santa Cruz da Graciosa dos Açores estar guardada algures, no meio de um maço de pergaminhos, na Torre do Tombo, á espera que um investigador paciente a descubra.
Com os melhores cumprimentos,
Magma

sábado, abril 12, 2008

Na Beira...

O trabalho fez-me descer das serranias transmontanas até terras beirãs, no centro do país. Vou estar aqui uns tempos. Aos poucos descortino na fisionomia das casas e na sua disposição, no perfil das chaminés, nas ruas centenárias, parecenças com as casas que vejo na Graciosa. A origem de grande parte das gentes que foram colonizar esse torrão de terra insular, a julgar pela arquitectura, terá sido esta região e o Alto Alentejo. Do Norte do país recebemos pouco, até nas expressões do quotidiano somos mais parecidos com um beirão do que com um minhoto ou transmontano. Embora prefira o Norte, aqui sinto-me em casa.

sexta-feira, abril 11, 2008

A Fundação de Santa Cruz - Parte I


Quando Pedro Correia da Cunha chegou à ilha para exercer os seus direitos de capitão do donatário encontrou uma povoação principal, a Praia, e provavelmente dois ou três aglomerados menores, dispersos ao longo da costa e isolados uns dos outros. Foi num destes aglomerados primitivos, situado na parte ocidental da Graciosa, que o primeiro capitão decidiu estabelecer a sua residência, contrariando a tendência de polarização do primeiro núcleo de povoamento.


Pedro Correia da Cunha veio encontrar nas bandas ocidentais uma pequena povoação de casebres toscos e cobertos de colmo, dispostos em redor da humilde ermida de Santo André. Este primitivo núcleo do que viria a ser santa Cruz situava-se muito provavelmente entre o actual largo Vasco da Gama, que ocupa a parte mais baixa da vila, e as Fontaínhas
, ancoradouro pequeno mas seguro onde os pescadores da povoação varavam os seus barcos. Seguindo o exemplo do capitão, que trouxe a sua família e criadagem, vieram outros fidalgos para Santa Cruz, também eles com o seu séquito, mais as gentes humildes, sem nome nem riqueza, que aqui procuraram começar uma nova vida. Assim nascia a capital da ilha branca…

domingo, março 23, 2008

Feios, Porcos e Maus


Revi hoje um dos mais brilhantes filmes da história do cinema, "Feios, Porcos e Maus" do italiano Ettore Scola. A sua genialidade está na sua intemporalidade, daqui a muitas décadas continuará actual, tal como a miséria, a avareza, o egoísmo e a violência que tão bem retrata...

sábado, março 22, 2008

Qual Veneno?

(…) Toda a pessoa de qualquer qualidade que seja desta Vila e sua jurisdição será obrigada a trazer ou mandar a casa do escrivão desta Câmara por todo o mês de Dezembro de cada ano doze rabos de rato e seis bicos e cabeças de pássaros daqueles que são daninhos aos frutos da terra como são estanjaras, canários, e melros; e o que faltar a esta postura pagará de pena cada casal, digo, cada cabeça de casal quinhentos reis para o concelho e acusador."

Posturas Camarárias da Vila de Santa Cruz da Graciosa – 1784 (Adaptado)

domingo, março 16, 2008

Mares

Ontem vim até à costa, ver o mar, cheirar a maresia. Este ano ainda não lhe tinha posto a vista em cima. O meu horizonte tem terminado já ali, desenhando-se irregular a castanho e verde, nada de azul. Sou um náufrago por entre montes e monte e montes e montes. Sendo mar, este não é o meu mar, não é o Atlântico que conheço e adoro. Sinto uma falta tremenda do mar bravo, das ondas a troar como canhões quando se despedaçam na rocha negra ou quando morrem sobre si mesmas, falta-me aquele sal que nos açoita o corpo e come a carne em dias de invernagem. O Atlântico zangado abala os pilares da ilha, sacode-a como a um barco! Só quem mora numa ilha pequena sabe o que isso é...

sexta-feira, março 14, 2008

Ah esta terra!


O vale do Douro impressiona visto de qualquer ângulo, mesmo ao longe sabemos onde ele está, é a maior cicatriz numa terra bastante cicatrizada. Cicatrizes que não saram e que acentuam a seca rudeza da paisagem (ou será o contrário?).

O monte de São Gabriel, perto de Vila Nova de Foz Côa, ergue-se arrogante sobre a terra duriense. Lá em cima, ao pé da capelinha alva, esmaga-nos uma imensidão de silêncio até onde a vista alcança. É o silêncio que escora estas pedras que parecem insuportáveis no cocuruto dos montes; é o silêncio que pinta de azul esbatido este céu, e de amarelo esta terra. Calo-me e o silêncio da paisagem grita-me...

quinta-feira, março 13, 2008

ezequiel valadas

Passos maiores que as pernas...

Contava-me uma colega sobre um "excelentissimo senhor presidente" de uma cidade do interior que teve a ideia de anunciar num discurso no dia da principal festa do concelho a apresentação de uma candidatura a Património da Humanidade. Os vereadores atrás dele aplaudiram, a multidão que o ouvia gritou vivas. "E em breve" - prosseguiu o presidente depois de se fazer silêncio "constituiremos um grupo de trabalho para avaliar o que temos no concelho passivel de ser apresentado numa candidatura à UNESCO". Além da Casa Grande dos Condes, de três ou quatro chafarizes antigos e um arruinado castelo medieval não tinham mais nada, mas nem o que tinham possuía interesse que justificasse a classificação da UNESCO. A intenção não passou disso mesmo...
Por este pequenino Portugal fora o que não falta são excelentissimos senhores presidentes empenhados em dar passos maior do que as pernas. Todos nós somos potenciais Ezequiéis Valadas...

domingo, fevereiro 24, 2008

José Berto por Victor Rui Dores

"Guardo da minha adolescência terceirense as mais vivas recordações de um homem deveras singular: o José Berto, figura incontornável do meu imaginário afectivo.
Nascido em 1933 na então freguesia da Praia da ilha Graciosa, o José Berto frequentou o Liceu de Angra e, mais tarde, concluiu, com distinção, o curso de piano no Conservatório Nacional de Lisboa. Entregou-se à música de alma e coração, tendo exercido actividade docente em Angra do Heroísmo e na Praia da Vitória. Nos anos 50 e 60 do século passado, fez parte da Orquestra Filarmónica de Angra e foi presença assídua nos Serões Músico-Literários nas Festas de São Tomás de Aquino, no Seminário de Angra do Heroísmo. Privou de perto com gente da cultura angrense, como o investigador João Afonso, o poeta Emanuel Félix, ou o pintor Rogério Silva. Também se dedicou ao teatro e à poesia e, sobretudo, à boémia… Embriagava-se de vida e costumava dizer: “A noite da boémia tem que ser verdadeiramente sentida, gozada, amada”…Ah, o José Berto! Estou a vê-lo nos bailes do Liceu de Angra a fazer a sua “perninha” com os conjuntos musicais “Os Bárbaros”, “Flama Combo” ou “O Açor”, cantando com emoção poética:
“Saudade dessa mulher
Meu peito sente…”
Para nós, estudantes com sangue na guelra, aquela música (da sua autoria) era um “slow” dos bons, daqueles que, como se então se dizia, dava para “esfregar a cavalinha” com as meninas que se deixavam apertar no calor escurecido da noite…
Já então o José Berto era um nobre vagabundo, desbocado e desprendido dos bens materiais, dilemático e dialéctico, boémio e insolente, fumador feroz, filósofo de barbas e rebeldias… Temperamento de génio incompreendido, homem de talento desatento – apenas conhecido pela estúrdia das suas noitadas e por ser o autor do hino do “Lusitânia”.
Recordo também as animadas viagens inter-ilhas, a bordo do “Ponta Delgada”, com o José Berto a arrancar do seu acordeão noctívago belíssimas melodias e a beber quantidades industriais de vinho…
Mais tarde, já aposentado, o José Berto fixou-se na ilha Graciosa. E quando eu lá ia de férias, encontrava-o à mesa do café junto à praia, à conversa com os amigos, de cerveja à boca, sempre susceptível, judicioso, penteado de maresia e de barbas pensantes, com aquele sorriso de secreta ambiguidade. Continuava igual a si próprio: insatisfeito e contraditório, incómodo e incomodado, dotado de uma consciência crítica e de uma visão cáustica sobre os outros, inteligente, perspicaz e universal da vida e do conhecimento das coisas.
Boémio por condão e por gosto, quando ele estava com o “astral” puxava do retumbante acordeão e animava quem o quisesse ouvir. E com ele mantínhamos longas e bem dispostas conversas vadias… Costumava ele contar episódios das turbulentas viagens que empreendera por terras americanas, bem como das tocatas em insólitas paragens das Caraíbas e Vietname – e assegurava-nos que havia tocado para um tal D. Gergoliani, chefe da Máfia americana…
Um dia, sob o efeito de uma tremenda bebedeira, ele passou uma tarde inteira a tentar convencer-me que Jesus Cristo era um extra-terrestre… Depois passava por fases de alucinação satânica, ou de inquietações religiosas e metafísicas. Dizia a todos que tratava Deus por tu… E dividia os homens em cinco categorias: os boémios, os alienados, os idiotas, os cretinos e os loucos.
O José Berto tornara-se um homem cercado e atormentado, náufrago de si próprio… Viveu os últimos anos da sua vida misturando música com bebida, boémia e poesia. Vítima da chacota dos outros, nunca perdeu um certo sentido de dignidade. Três anos antes de a cirrose o levar, publicou um belíssimo livro de poemas: Mar de Escamas (edição da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa, Angra do Heroísmo, 1997), em que fala do destino da vida humana no teatro do mundo. Atento ao desconcerto do mundo, e questionando Deus, o Homem, a Solidão, o Ser e o Não-Ser, o autor denuncia a falsidade, o fingimento, a hipocrisia e o egoísmo dos homens e renuncia ao quotidiano comezinho e à trivialidade da vidinha. Vivendo no microcosmo da ilha-mãe, o poeta parte então em busca de uma harmonia, de um deus ex-machina, escrevendo versos certeiros que são de raiva e ternura, de amor e ódio e questiona o triunfalismo científico:
“O último invento matou o teu filho”. (pág, 55)
A última vez que vi o José Berto fiquei com a sensação de estar perante um barco velho abandonado no cais… A sua decadência física era visível: envelhecido, a pele macilenta, os olhos baços, as longas barbas a escorrerem cerveja, sujidade e desolação… A solidão pesava-lhe como um fardo. Foi a sua fase negra, sórdida, macabra e grotesca. Mas não perdera a enorme lucidez. Falou-me que tinha pronto para publicação mais um livro de poesia, cujo título seria: Quando os mortos vierem fardados. E citou-me estes versos que mostram a sua alma de poeta:
“Ai o músico
se poeta sente
ai o poeta
se músico consente”.
Era assim o José Berto – músico e poeta, um homem bom que se deixou enredar nas vicissitudes da existência e derrapou no plano inclinado da vida."
Autoria: Victor Rui Dores, publicado na revista do Diário Insular

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Ainda os livros...

A propósito de livros, apresento em seguida uma pequena lista sobre alguns dos livros mais significativos que se escreveram sobre a Graciosa desde o século XIX:

Memória Estatistica e Histórica da Ilha Graciosa, de Félix José da Costa, publicado pela primeira vez em 1845 e reeditado em 2007. Este livro é a primeira monografia escrita sobre a ilha branca e traça um quadro bastante completo sobre a sociedade Graciosense do século XIX, debruçando-se sobre ínumeros aspectos, desde a História à industria.

Ilha Graciosa Descripção Histórica e Topographica, de António Borges do Canto Moniz, publicado pela primeira vez em 1883 e reeditado em 1981. Este trabalho segue a linha do anterior, ainda que tenha a vantagem de se debruçar mais sobre as gentes e a História da ilha, do que sobre os números com que se alonga Félix José da Costa. Ainda asim não supera a obra anterior.

A Ilha Graciosa de António Brum Ferreira, publicado em 1968 e reeditado em 1987. Este trabalho é a meu ver a melhor monografia que se escreveu sobre a Graciosa, acresce o facto de ter sido escrita por um dos mais importantes geógrafos portugueses da actualidade, na altura ainda estudante universitário. Além de bem escrita é bastante completa, incidindo sobre a geologia, a geografia, a demografia, a história e a economia da ilha. Passados 40 anos desde que foi publicada continua bastante actual em ínumeros aspectos. Imprescindível mais do que qualquer outro livro para quem queira aprofundar o seu conhecimento sobre a Graciosa.

Ofícios Antigos Subsistentes nas Ilhas dos Açores: Graciosa, de F.P. de Almeida Langhans, publicado em 1988. Trata-se de uma recolha etnográfica feita em ínicios dos anos 80, sobre ofícios que naquela altura estavam a desaparecer. É apresentada sobre a forma de entrevistas e fotografias. Um livro que dá gosto de ler, não só por ser um valioso documento mas para rever caras que há muito não vemos: artesãos e artistas (mas sobretudo pessoas) que tanta falta nos fazem.

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Livros

Numa pequena aldeia do Alto Douro, o meu segundo lar, encontrei um livro sobre o meu lar... Entre uns quantos livros calados numa estante muda de uma acanhada biblioteca vi um que conheço bem: as letras amarelas do titulo gritavam, destacavam-se na capa negra : "GRACIOSA - As tradições e paisagens e uma ilha". Um pedaço da minha ilha, ali, no sítio onde menos esperava... Se um livro percorre tantos quilómetros é por que merece...
O livro do padre Norberto Pacheco é uma das melhores obras que se pode encontrar sobre a nossa ilha, as fotografias recolhidas são uma porta aberta para um passado já distante, outros tempos e outras caras, para uma Graciosa antiga e rural que mudou tanto em tão pouco tempo.
Folheei o livro, aliviei a saudade, triunfante apontei para a capa e disse aos amigos que me aconpanhavam : " A minha Graciosa!".

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

O museu...outra vez






O centro histórico da vila de Santa Cruz é um dos mais belos e harmoniosos conjuntos arquitectónicos de Portugal. A sua antiguidade é relativa; muito dificilmente encontraremos um edifício que seja anterior ao século XVIII, a própria Câmara Municipal terá pouco mais de 120 anos como o atestam fotos datadas do ultimo quartel do século XIX. O que hoje temos são construções e reconstruções feitas nos ultimos 3 séculos e entre elas um ou outro edificio que pela sua traça mais simples sugere uma construção mais recuada. As ruas, os largos e a praça, essas terão permanecido idênticas, pese os sucessivos melhoramentos.

Ao longo dos anos procurou-se respeitar o que estava construído, tendo em atenção as caracteristicas arquitéctónicas do conjunto, contribuindo para a criação de um núcleo bastante homogéneo. Durante dois séculos a fisionomia da vila pouco terá mudado, até hoje. O edificio do museu vem cortar com tudo o que até agora se construiu na vila, vem contra o que a legislação dita e é ofensivo para os Graciosenses. Não critico o projecto, ficaria bem noutra parte qualquer, não entre as casas do centro de Santa Cruz; Ofende-as na sua altiva nobreza, na sua beleza sombria. Assim não estamos á altura do que no legaram os antigos, se for esta a marca que vamos deixar, então mais vale deixar que aquele muro continue ali, ao menos não ofende.