Adivinha-se na topografia da Serra Branca os contornos
esbatidos de uma velha e grande caldeira, cujas paredes erodidas por milhões de
anos mal se fazem notar entre o tapete de erva que a forra. Este vulcão seria
pouco menor do que a Caldeira, mas muito mais antigo.
Nesta imensa cicatriz,
destaca-se a Caldeirinha, uma pequena chaminé vulcânica e que terá surgido
muito depois do vulcão da Serra Branca e foi povoada por diabretes quando as
gentes também aqui aportaram e que hoje em dia é um miradouro excepcional sobre
as terras chãs de Santa Cruz e Guadalupe. Chamam-lhe Caldeirinha, mas os
Graciosenses de outrora chamavam-lhe Caldeira de Pêro Botelho, que era nome de
baptismo do Tinhoso, do Mafarrico, do Demónio com pernas, braços e pele de
Homem.
Se Deus está em todo o lado, o Diabo remete-se apenas a um sítio, a um
buraco fundo e escuro, entre os vapores de enxofre e a humidade podre do musgo
velho. Não está sozinho na sua masmorra: os diabretes servem-no e povoam o
imaginário Graciosense. Era frequente estes seres malfazejos sairem da
Caldeirinha, descerem as canadas e atentarem as lavadeiras do caminho do
Tanque, que mais do que qualquer outra pessoa tinham razão para temerem aquela
cratera do demo, sobranceira ao ermo onde lavavam a roupa dos senhores da vila.
O rol de travessuras destes acólitos de Belzebu é grande, maior do que se possa
enumerar. Talvez, em alguns casos, pudessem estar inocentes.
Nos últimos anos investiu-se na requalificação do caminho que contorna a cratera e na construção de um miradouro que abarca um vasto e belo panorama, de verde e azul, de montes e mar que custa acreditar que o demónio tenha habitado estas paragens.
1 comentário:
Não conhecia esta lenda, gostei de saber.
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