sábado, abril 09, 2016

vinho novo


Cabia a cada geração zelar pelas pedras postas pela geração anterior, arrancar a vinha velha atarracada e plantar pés novos e sadios, continuar a podar, a cavar, a fazer curas contra as maleitas, como fizeram os seus avós e os seus pais, como hão-de fazer os seus filhos. Mas bastava que as vagas de mar se levantassem num dia de vento e a ressalga açoitasse sem clemência as terras baixas, para que a vinha se queimasse e o ano estivesse perdido. Os homens, de grandes mãos sábias e tez curtida pelo sal dos anos voltavam aos currais de vinha geometricamente dispostos em ruas fundas, voltavam a erguer as paredes de pedra solta, com paciência e com resignação, como se Sísifo pudesse empurrar mil pedras e cumprir o martírio de uma só vez. Voltavam a cavar e a podar e a cavar outra vez. Nos dias de sol, em que o mar é só mar, a resignação tornava-se esperança e entre o basalto aquecido pelo sol, sobre a terra gerada sobre as cinzas de um vulcão, despontava um rebento: um cacho verde, duro e liliputiano.

Se o mar não se inquietar, há-de crescer redondo e rubro até Setembro, será colhido em cestos de vime a escorrerem mosto sobre a serrapilheira posta sobre as costas dos homens e há-de chegar ao lagar em carros de bois a chiar com o peso da dorna. E ali à luz de um coto de vela que se derrete na tardinha, outro milagre - talvez o maior dele todos - quando a rocha se transformar em vinho e quando o labor destes ourives encher as velhas pipas que resfolegam com a abundância. Vinho novo.

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