quarta-feira, dezembro 10, 2008

Piratas, Flibusteiros e Arruaceiros

Chegaram até aos nossos dias vários relatos, escritos por autores antigos, sobre os piratas que de tempos a tempos desembarcavam nas costas desta ilha branca. Ainda que a famosa vitória das gentes da Graciosa sobre piratas argelinos seja contada amiúde, poucos lembram a história de outra batalha, que se desenrolou em meados do século XVII na Vila da Praia e cujo desfecho foi um pouco diferente do célebre triunfo de 1623.

A 16 de Fevereiro do ano da Graça de 1691, aportou em frente às casas sossegadas da Praia uma barlanda de bandeira inglesa, declarando na alfândega que trazia somente 6 tripulantes e uma carga de azeite e bacalhau. Pediram estes homens que lhes fossem enviados 4 ou 5 barcos para desembarcarem tão cobiçada carga, mas logo que os barcos alcançaram a barlanda os Ingleses apoderaram-se deles e prenderam a enganada tripulação.


Pelas 11 horas da noite, servindo-se dos barcos capturados, desembarcaram no porto cerca de 35 homens, bem armados com espingardas e lanças e logo ali mataram o meirinho da alfândega que ainda conseguiu, com os seus gritos, alertar alguns vizinhos que se apressaram a fugir. Os flibusteiros entraram livremente na vila e servindo-se de um dos tripulantes dos barcos capturados, dirigiram-se a casa do tesoureiro da igreja. Pediu-lhe o preso para que lhe fossem dadas as chaves da igreja pois havia um enfermo que requeria a Santa Unção. De boa fé, o tesoureiro entregou-lhe as chaves mas logo que viu os ingleses fugiu. Servindo-se do preso e de falsos pretextos, os ladrões foram de casa em casa, capturando os fidalgos e prendendo-os na igreja, podendo-se então entregar ao seu malévolo propósito já que o resto da população havia fugido para o mato e para as grutas do mar em busca de segurança.

Ao romper da lua soltou-se do improvável cárcere um moço, que pela madrugada correu a pedir auxilio às gentes de Santa Cruz. Imediatamente o capitão-mor desta vila tratou de reunir 200 homens armados que ao romper da aurora marcharam para a vila da Praia. Chegando este improvisado exército ao Alto do Quitadouro, que marcava o limite das duas jurisdições, optaram por construir uma muralha em pedra solta para impedir a passagem para a banda de Santa Cruz, contra a vontade de um douto clérigo, guardião de São Francisco, chamado Frei Gonçalo da Purificação, que achando de nada valer este esforço, propôs que se levassem duas peças de artilharia para o adro da igreja de Nossa Senhora da Guia e daí se afundassem os barcos aportados, impedindo a fuga dos ingleses, que vendo-se acossados e em aflição, não tardariam a depôr as armas. Consta pois, que o conselho não foi aceite.

Puseram os homens as mãos à obra e ainda antes que a muralha estivesse concluída, decidiram avisar o capitão-mor da vila da Praia, por onde acometeriam os Ingleses. Mas estes dominavam toda vila, guardando as ruas e entricheirados no adro da Igreja da Misericórdia e na Igreja de Santo António, fazendo frente a qualquer avanço das gentes da Graciosa. Ainda assim os homens de Santa Cruz investiram desordenados, até verem um dos seus cair morto com um tiro. Nova desordem. Gritaram, correram, saltaram paredes, abrigaram-se nas vinhas e esconderam-se nas casas. Estes Ingleses eram o diabo!

Após terem saqueado casas e igrejas e tudo o mais que havia para roubar, os piratas embarcaram todo o espólio no barco, servindo-se para isso dos fidalgos que aprisionaram, descalços e despidos, da maneira que da cama os tinham tirado. Quando viram a pólvora a acabar, decidiram pedir tréguas, enviando o capitão António Correa sob escolta junto aos homens de Santa Cruz. Embora o capitão tenha insistido num novo ataque, as tréguas foram conseguidas e os Ingleses conseguiram sair do porto, levando consigo alguns prisioneiros com o intuito de pedir resgate.Os homens da terra tentaram afrontá-los uma ultima vez, disparando os arcabuzes, mas nada conseguiram. Algum tempo depois, decidiram os ingleses, soltar um dos prisioneiros em terra para lhes mandar 200 patacas e 4 pipas de vinho. O dito homem, ainda que não tenha conseguido a quantia exigida, tentou iludi-los com 4 pipas vazias, mas esta gente era difícil de ludibriar. Dos restantes prisioneiros, 2 fugiram atirando-se ao mar, mas deram mortos à costa do Faial e os outros foram deixados na Ilha do Fogo, onde estava o bispo dos Açores que logo os tratou de enviar para a Terceira, juntamente com algum do saque das ermidas e igrejas profanada.

Algum tempo depois estes piratas foram interceptados nas costas da Mina por uma fragata Inglesa. As versões contraditórias sobre como tinham adquirido o espólio e as acusações trocadas entre si, levaram-nos a ser acusados de pirataria e condenados à forca.

Assim acaba esta história, resgatada de memórias longínquas nestas linhas mal alinhavadas. O medo dos piratas subsistiu na tradição oral dos Graciosenses durante muitas gerações e esta história poder-se-á ter passado ínumeras vezes, ainda que com contornos menos burlescos; Não deixa de ser curioso o facto de 35 arruaceiros terem conseguido afrontar e aterrorizar uma ilha inteira, que na altura deveria contar com mais de 6000 habitantes.

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