De tempos a tempos os jornais e a
televisão fazem eco das descobertas arqueológicas que se vão fazendo nos Açores
e que atestam um povoamento pré-Português destas ilhas Atlânticas. Se de início
estas notícias começaram por ser um fenómeno da silly season, com o passar dos
anos foram-se tornando mais constantes nos meios de comunicação social, ao
ponto de muita gente começar a assumir que a presença de culturas da
Antiguidade no arquipélago, mais do que uma suposição, seria um facto. Foram “descobertos” hipogeus
(túmulos escavados na rocha) nas Flores e no Corvo, pirâmides na ilha do Pico,
construções megalíticas, templos fenícios e uma inscrição e uma necrópole
romana na ilha Terceira. Supostamente tudo bastante anterior ao conhecimento
dos Açores.
Estas pseudo-notícias não passam de efabulações e encontram-se nos
antípodas de qualquer processo científico, já que negam factos e misturam
paralelos conhecidos, omitem a tradição oral e os registos históricos que
existem sobre essas estruturas, conhecidas desde longa data mas bastante
distantes da antiguidade que os seus “descobridores” querem fazer crêr.
Ademais, nenhum dos intervenientes destas pseudo-descobertas tem competências
para interpretar os factos históricos e os dados arqueológicos, a não ser que
os lastimosos documentários do Canal História confiram equivalências.
Acreditar, sem quaisquer provas dignas desse nome e reconhecidas como tal, que
o arquipélago dos Açores seria habitado desde milénios antes de Cristo por
culturas provenientes da bacia do mediterrâneo - como o são fenícios ou romanos
- manifesta um medíocre conhecimento da História e da Geografia.
O Estreito de Gibraltar, essas
Colunas de Hércules da lenda, constituiria um marco bem fincado para a
navegação; se o Mediterrâneo era atravessado desde tempos imemoriais por
embarcações, o Atlântico apresentava-se uma imensidão desconhecida e tormentosa
e todas as embarcações que o sulcavam na Antiguidade limitavam-se a navegar à
vista da linha costeira. A tecnologia e os conhecimentos da época estavam muito
longe de permitir a navegação em pleno Atlântico e só na centúria de
quatrocentos se arriscaram navegações para outras longitudes. Como se poderia
explicar então a existência nos Açores de estruturas pretensamente semelhantes às
encontradas no continente Europeu - com 4000 ou 2000 anos - e que implicariam
uma ocupação bastante alargada no tempo? Com que finalidade aportariam aqui
canoas ou trirremes romanas? Onde estão os vestígios materiais que qualquer
ocupação humana deixa por testemunho e que traduzem-se em cerâmicas, numismas e
vidros que nos permitem estabelecer paralelos efectivos e datações absolutas?
Em última análise, este fenómeno é
sintomático do estado acrítico a que chegou uma sociedade que se debruça durante
muito tempo sobre a televisão e pouco sobre bons livros.