terça-feira, dezembro 12, 2006

Lembram-se?

Foto de António de Brum Ferreira
É dificil reconhecer a Caldeira de hoje em dia nesta fotografia tirada em ínicios da década de 60. Só nessa altura se começaram a plantar criptomérias nas vertentes nuas desta cratera... Nos dias de hoje é dificil imaginar a Caldeira sem aquele verde que nos ofusca e anula qualquer outra cor...

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Memória de pedra - os fornos de telha

Foto do livro "Arquitectura Popular dos Açores"

Os fornos de telha foram durante décadas a principal indústria da Graciosa, uma actividade de capital importância para a economia de uma ilha que sempre subsistiu dos dividendos da agricultura e da pecuária; muita da telha era exportada para o grupo central durante o verão nos velhos iates de cabotagem como o Fernão de Magalhães e o Espírito Santo.
A eira da Rochela (na foto) foi uma das ultimas a produzir telha e fechou na década de 80. O caminho que conduz ao porto, então em construçã0, rasgou-a e destruiu algumas das estruturas de apoio ao trabalho dos telheiros.
Hoje em dia os fornos de telha, dos quais todos nós já dependemos, encontram-se esquecidos.... situação lamentável pois são parte da nossa memória colectiva...Numa época em que tudo é passível de ser musealizado ou integrado em acervos etnográficos, para quando musealizar pelo menos um dos fornos da Rochela, ali tão perto de uma das principais portas de entrada na ilha Branca ?

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Farol da Ponta da Barca



Era no Pico Negro que o Plano Geral, aprovado em 1883, projectava a construção de um farol na Ilha Graciosa no entanto acabaria por optar-se pela construção do farol na Ponta da Barca, um pouco mais para Oeste do inicialmente projectado e, uns anos mais tarde.A escolha deste novo local terá facilitado em muito a construção do farol, embora com o senão da existência de sectores em que a interposição do Pico Negro não permite a observação visual do Farol.O farol da Ponta da Barca entrou em funcionamento em 1 de Fevereiro de 1930 e está localizado na Ponta da Barca a Noroeste da Ilha Graciosa.Em 1978 uma forte trovoada fez grandes estragos no farol e respectivas habitações. Tratando-se, actualmente, da torre mais alta do Arquipélago dos Açores e encontrando-se numa zona muito exposta, tem sido periodicamente objecto de obras de recuperação de alguma dimensão, a última já nos anos oitenta.
In, Revista da Armada nº392 de Dezembro de 2005

Pico Negro

O pico Negro não pertence ao mar nem pertence à terra, é um meio termo, um barco ancorado na ponta da ilha (na Ponta da Barca) à séculos, um ponto final deste texto escrito a muitas mãos chamado Graciosa...
Visto de longe lembra uma pirâmide mal desenhada, pintada a negro e ocre, posta ali por engano. De perto atemoriza, as suas vertentes calcinadas pelo fogo vulcânico insistem em lembrar-nos a verdadeira natureza desta terra.
O pico Negro, situado pouco depois do Barro Vermelho na freguesia de Santa Cruz, é o que resta de duas chaminés de um complexo aparelho vulcânico, mas ao invés do que acontece com outros picos e montes por esta ilha fora (também eles restos de chaminés e crateras), nunca desenvolveu uma camada humosa relevante, esteve sempre despido de terra. O que hoje vemos são os piroclastos cuspidos pelo vulcão e queimados pela fúria ígnea da Terra... Esta paisagem um tanto ou quanto dramática é acentuada pelos salgueiros mirrados plantados há décadas na encosta virada para a ilha.
O pico parece que foi cuspido da entranhas da terra há pouco tempo, talvez tenha sido por medo que as gentes da ilha nunca se interessaram muito por este lugar, uma unica casa habitada entre uma ou outra ruína... A sua silhueta impõem- se sobre aquela paisagem bucólica, vislumbramo-lo ao longe quer estejamos no Guadalupe quer estejamos no Monte d`Ajuda e ao seguir pelo estrada que lhe passa no sopé (na realidade passa na meia encosta) tornamo-nos pequenos e humildes perante aqueles contornos agressivos (se este pico fosse gente estaria sempre de punhos erguidos para nos esmurrar). Se pararmos um pouco e nos embrenharmos por um carreiro largo entre os salgueiros, podemos ver o pico Negro em toda a sua imponência, despenhando-se em algazarra nas águas do Atlântico, 100 metros abaixo. Sigo outro carreiro que desce serpenteante pela cratera e leva-nos até á água, não é qualquer um que o desce, a bagaçina no qual foi talhado insiste em rolar debaixo dos pés, uma ou outra pedra desprende-se uns metros acima e passa sobre a minha cabeça. Olho para cima e o pico vigia-me, quer abater-se sobre mim. No topo, cada vez mais distante ergue-se uma discreta vigia da baleia (um dia hei-de lá subir). Na outra cratera , a caldeirinha, existe outro carreiro, cortado a pique na encosta, muito pior que este que agora subo outra vez, só o desci uma vez, (nunca mais...). É perto ou longe uma presença perturbante, seja como for é o pico Negro o primeiro que me recebe quando aterro no aeroporto, com um sorriso... há-se estar sempre ali, como sempre esteve desde que a ilha tem memória...

terça-feira, dezembro 05, 2006

Porque é!


"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia."
Alberto Caeiro

A minha terra,é, (É!) a mais bonita do mundo...

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Fronteiras e fronteiras


Longe vão os tempos em que as excursões se faziam dentro da ilha, de burro ou a cavalo e ir de Santa Cruz à Caldeira era aquela viagem planeada antecipadamente... Poucos de nós ainda se lembram desses tempos.
As gentes da Graciosa desde cedo foram condicionadas; Nem tanto pela orografia do território mas mais pela mentalidade de ilhéus, de pessoas apegadas ao seu quinhão de terra, (ao seu cerrado, ao seu pasto, à rua do porcos, à casa) enquanto o tiverem não precisam de procurar outro, nem sequer precisam de ir além dos limites da sua freguesia. Lembro-me de me contarem a história de um homem do Guadalupe que nasceu, viveu e morreu sem nunca ter saído de lá, nunca passou a Serra Dormida ou veio até Santa Cruz, toda as suas deambulaç~ioes se resumiram a 15 Km 2...
Antigamente as fronteiras dentro da ilha, ainda que fossem traços negros sobre um mapa, eram mais fortes do que a fronteira real vincada a basalto e Atlântico em redor destes Homens.

segunda-feira, novembro 27, 2006

A casa tradicional da ilha Graciosa (parte V)

A “casa de empena”, independentemente da sua tipologia e da sua dimensão, fecha-se sobre si mesma, é no pátio em frente á fachada principal, quase sempre empedrado, separado da via publica por um muro que por vezes atinge a altura da fachada, que decorre muita da vida familiar.
A habitação deve ser por si só uma unidade auto-suficiente, como tal é servida por uma série de construções como a cisterna ou o tanque, a “burra” do milho, o galinheiro e o curral dos porcos, a horta e o pequeno curral com laranjas e limões e outros que apoiam a actividade agrícola como é o casos dos alpendres, dos palheiros e do lagar.
A cisterna e o tanque são peças fundamentais para a vida do Graciosense uma vez que a ilha é extremamente seca e as poucas nascentes não possuem um caudal significativo. A água das chuvas é recolhida por meio de caleiras cerâmicas que circundam a casa sob os beirais e conduzem a água para a cisterna ou tanque onde é armazenada.
A “burra” do milho é um tipo de sequeiro em madeira que surge um pouco por toda a ilha e evidencia a importância que o milho adquiriu na alimentação destas gentes. Trata-se de uma estrutura prismática com base rectangular assente em 4 ou mais pilares de basalto onde se armazena o milho em molhos e, por ser entendida como uma estrutura nobre é, juntamente com a cisterna, construído em frente á habitação.
O galinheiro e o curral dos porcos, de pequena dimensão e onde se criam os animais que vão alimentar a casa durante o ano, surgem sempre junto ao quintal, nas traseiras da habitação. É frequente a retrete ser construída junto ao curral dos porcos, partilhando o lameiro.
Os palheiros são construções em alvenaria, geralmente sem reboco que se destinam ao armazenamento de palha ou lenha. O alpendre do carro, construído em moldes semelhantes ao do palheiro destina-se á protecção do carro de bois é á recolha de alfaias agrícolas.
Por ultimo o lagar e a adega, que geralmente surgem isolados e junto ás vinhas, podem também surgir no seguimento destas casas.
Para completar o quadro resta dizer que estas habitações se integram, com já referi, na orla de pastagens e cerrados, base de toda a actividade agrícola da casa e o seu principal sustento.

Sendo o pão de trigo e o pão de milho uma das bases da alimentação do povo da ilha, rara era a casa, por mais exígua que fosse, que não possuía um forno, sinónimo de que as pessoas que ali moravam não passavam fome. O forno com a chaminé acoplada surge como um bloco saliente, de fisionomia quadrangular e coberto com telha nas traseiras da habitação. Á chaminé corresponde o espaço do lar que se pode apresentar com os poiais desenvolvidos em U, formando uma caixa que se distingue do resto da cozinha, ou bipartido, integrando a porta do forno e a borralheira numa das paredes da habitação. As chaminés apresentam formas diferentes, desde volumosos paralelepípedos que provavelmente correspondem a uma cronologia mais antiga até á chaminé de mãos postas, de silhueta graciosa e que é muito comum nesta ilha.

O interior da casa rural reflecte as condições de vida dos seus moradores. O tipo de casa que tenho vindo a tratar, pertencia quase sempre a famílias humildes e numerosas, a jornaleiros com baixos salários e que se viam forçados a dispensar os luxos que se podiam encontrar nas “casas de alto e baixo”, sinónimo de um outro status.
A cozinha resumia-se ao essencial, uma mesa e algumas cadeiras em madeira, um ou outro alguidar em barro, uma armário ou copeira onde se guardava a louça e os talheres e a indispensável talha, sempre cheia com água da cisterna. O quarto de dormir era também sala de estar e era normalmente dividido em 2 áreas por meio de um tabique ou de uma cortina. Uma destas aéreas correspondia ao leito do chefe da família e da esposa e a outra para os filhos. Os poucos luxos a que uma família de reduzidas posses podia ter como fotos, quadros, a mobília mais fina eram colocados nesta divisão, onde também eram recebidas as visitas.

sexta-feira, novembro 24, 2006

...


Se trabalhas para viver, porque é que te matas a trabalhar?

As impressões do viajante (Raúl Brandão)


"Os da Graciosa exportam milho e trabalham com diligência, fartos nos seus campos e nas suas vinhas, não se deixando submeter a abusos. Há uns anos quando um senhorio de Lisboa quis aumentar as rendas não as pagaram. Foi lá a tropa, não pagaram senão o que era justo. Nunca vi campos tão bem tratados, entre dois monts redondos com a povoação branca no centro, um dos montes amarelo com a giesta em flor e o outro dum verde tão tenro que escorre pela encosta abaixo. É uma ilha ilustre e literária. Dela fala Chateaubriand nas Memórias e nas Revoluções Antigas e Garrett habitou numa destas casinhas no tempo da expedição de D. Pedro."
Raúl Brandão in Ilhas Desconhecidas (1926)

quarta-feira, novembro 22, 2006

A Graciosa há 90 anos...

Na Linha do Douro

Foto da autoria de Vitor Pedro Nunes

Já perdi a conta ao número de vezes que percorri a linha do Douro, entrando numa carruagem no Porto e saindo quase quatro horas depois no apeadeiro de Freixo de Numão-Mós do Douro, perdido entre os socalcos de granito, plantado á beira rio tal como as vinhas e as oliveiras que pontuam aquela paisagem...
Perdemos o Douro pouco depois do Porto e vamos encontrá-lo novamente pouco antes de Mosteirô, ele acompanha-nos até ao fim da linha e nós não conseguimos tirar os olhos dele e das arribas que ele moldou, depois tornadas em socalcos pelas mãos laboriosas dos homens. Os socalcos estendem-se sem interrupção até ao Pinhão, pouco depois da Régua, e daí até á foz do Tua surgem de tempos a tempos fragas a pique que interrompem o padrão da paisagem. É a partir da foz do Tua que encontramos o Douro rude, encaixado num vale que se despenha abruptamente nas suas águas e que o Homem não conseguiu moldar. O ponto alto da viagem dá-se quando chegamos ao cachão da valeira, outrora inultrapassável, hoje domado por uma discreta barragem. Atravessamos um túnel e o comboio quase que se torna barco; do outro lado a linha eleva-se poucos metros acima da água, e erguendo-se abrubtos á nossa volta montes graníticos cobertos de árvores mirradas. É uma paisagem solene... os passageiros levantam-se e colam-se ás janelas uns deslumbrados, outros nem tanto (afinal aquilo sempre esteve ali...).
Pouco depois a linha muda de margem, já falta pouco para o destino. A paisagem parece que se recompõem e começam a surgir novamente casas, socalcos e vinhedos. Passamos a mítica Quinta do Vesúvio, construída pela Ferreirinha (ainda há quem veja o seu fantasma passeando-se entre as vinhas que tanto amou). Os tunéis sucedem-se: aqui o granito despiu-se e aflora á superficíe, as gentes que construíram esta linha tiveram um trabalho dos diabos... Por fim surge o nosso apeadeiro, discreto, quase que nem damos por ele. A linha acaba ali á frente, no Pocinho, uns quilómetros depois. Saímos e nem vivalma... existem duas casas aqui á volta, por sinal abandonadas. Embora o apeadeiro se chame Freixo de Numão, esta vila situa-se a 12 quilómetros, sempre a subir por um caminho que serpenteia por entre os montes que fazem esta paisagem. Já me aconteceu ter de esperar aqui durante horas por boleia, por companhia temos esta paisagem deslumbrante, das mais belas de Portugal, que mais podemos querer?

segunda-feira, novembro 20, 2006

A casa tradicional da ilha Graciosa (parte IV)

A “Casa de Empena” – Modelo Tradicional da Casa Rural da Ilha Graciosa

As “casa de empena” embora sejam conhecidas noutras ilhas do arquipélago, não são tão comuns como na Graciosa, constituindo uma marca formal da arquitectura desta terra.
Em primeiro lugar importa esclarecer que a denominação “casa de empena” corresponde ao modo como o edifício de dispõem em relação ao caminho e não a uma tipologia especifica, assim entre as “casa de empena” encontramos casas lineares, casa integradas e casa de cozinha perpendicular, os três grupos fundamentais de habitação rural do arquipélago.
A “casa de empena” surge sempre junto aos caminhos, desenvolvendo-se perpendicularmente a estes e virando-lhes a empena que é valorizada em detrimento da fachada principal, através da qual se faz o acesso á habitação.
As gentes da ilha apresentam 3 justificações para esta disposição:

- Os antigos construíam as casas sempre voltadas para o nascente para serem mais saudáveis
- Esconde aos estranhos a actividade familiar que em boa parte se desenvolve em frente da casa
- Sendo hábito construir-se a habitação á beira da estrada, é uma maneira de poupar espaço.

A orientação nascente da fachada principal remonta, segundo Brum Ferreira, aos primeiros tempos do povoamento, quando não havia ainda uma rede de estradas organizada, optando-se por aquela orientação que posteriormente passaria a puro hábito. Ao mesmo tempo esta disposição vem corresponder a 2 necessidades muito comuns, a de intimidade (a vida familiar desenvolvia-se no pátio á frente da fachada principal) e a de espaço (esta disposição deixa mais espaço livre junto ao caminho e permite acrescentar a habitação sem interferir com os prédios adjacentes). A estas 3 justificações, todas elas verosímeis e legítimas, pode-se acrescentar uma quarta, a necessidade que cada família tinha em justificar a posse das terras que cultivava, orientando para elas a fachada principal da habitação em detrimento do caminho.
A “casa de empena” divide-se tipologicamente em 3 grupos fundamentais que podem também ser encontrados no resto do arquipélago:

Casa de cozinha perpendicular: este tipo de casa evoluiu a partir da casa de cozinha dissociada, onde surgiam 2 blocos distintos, espacialmente separados que correspondiam á área de dormir e á cozinha, que caso se incendiasse não propagaria o fogo ao quarto. Na casa de cozinha perpendicular, sempre térrea, o bloco que antes surgia separado surge agora justaposto á área de estar e dormir, criando uma planta em L, bem demarcada por coberturas distintas.

Casa linear Neste tipo de casa a cozinha insere-se no prolongamento da habitação, correspondendo a uma única fachada onde se encontram a maior parte dos vãos, incluindo as duas portas (uma da cozinha, outra dos quartos). Na maior parte dos casos este tipo de habitação fica perpendicular ao caminho e a empena, sistematicamente virada á rua, é valorizada em detrimento da fachada principal. A nível interno esta casa é geralmente dividida em 3 espaços; a cozinha, o quarto e a loja ou casa de despejos onde pode existir um lagar e a adega.

A casa integrada, com as duas águas do telhado desiguais e o seu perfil assimétrico é o tipo de habitação que distingue mais fortemente a arquitectura da Graciosa. A sua planta compacta e quadrangular divide-se e dois pequenos corpos lineraes separados por uma parede de alvenaria. O acesso faz-se pela fachada perpendicular ao caminho. Esta casa varia bastante na sua organização interna, desde os casos mais simples em que cada bloco corresponde a uma divisão, até aos mais elaborados em que a porta da fachada principal abre para um corredor com uma divisão de cada lado e que desemboca na cozinha.

A empena, que na casa linear possuiu uma única janela e na casa integrada pode apresentar 2, apresenta-se quase sempre rebocada e caiada, com barras de cores vivas a lembrarem as casas do sul de Portugal. A fachada principal também se costuma achar bem tratada, mas é frequente deixar a outra empena da habitação e a fachada traseira em pedra seca, facto que se deve á pouca visibilidade destas paredes a quem passa no caminho.
O interior destas habitações surge sempre rebocado e o chão de terra batida ou, no caso de famílias com mais posses, sobradado.
As casa rurais geralmente tem uma estrutura interna bastante simples, limitando-se como já foi referido, a dois módulos principais; a cozinha e o quarto de estar/dormir., ora divididos por uma parede de alvenaria ora divididos por tabiques. É frequente sobre a zona de dormir existir um estrado de madeira que corta o pé direito e serve para albergar mais uma cama ou para arrumos.

Burros há muitos...


"Vejo tanto burro a mandar
Em homens de inteligência
Que ás vezes me ponho a pensar
Se a burrice não será uma ciência!"
António Aleixo

quinta-feira, novembro 16, 2006

A Graciosa há 90 anos...



As pessoas mudaram... as pedras, essas, permanecem as mesmas...
Muito dificilmente reconheceremos algum dos modelos apanhados pela objectiva do retratista, mas não nos é dificil perceber o sítio retratado... Tenho saudades dessa Graciosa de gente ingénua e trabalhadora, saudades de um tempo que nunca conheci e do qual apenas conheço estórias e uma ou outra fotografia...

quarta-feira, novembro 15, 2006

A casa tradicional da ilha Graciosa (parte III)

Materiais de Construção

Os condicionantes geológicos de uma ilha de origem vulcânica fizeram do basalto o principal material de construção: a lava solidificada é a única pedra que as gentes do arquipélago conhecem e é utilizada quer nas paredes toscas que dividem os “cerrados” quer em exímios trabalhos de cantaria nas casas ricas e igrejas.
O aparelho das casas é constituído por pedras de pequena e média dimensão recolhidas nos terrenos adjacentes, ligeiramente afeiçoadas e assentes em seco de forma irregular, sendo revestidas exteriormente com argamassa e cal. As vergas, ombreiras e cunhais, devido á sua dimensão, são extraídos em blocos das pedreiras e embora possam ser bem lavrados, nas casas mais humildes costumam ser bastante toscos.
A madeira é utilizada em tectos, forros, sobrados e tabiques divisórios. A cobertura da habitação é sempre em telha, de meia cana e de produção local. A maioria das casas, mesmo as mais humildes, são rebocadas por fora (pelo menos na sua fachada principal) e por dentro e caiadas e debruadas com barras de cores vivas, fazendo lembrar as casas do Sul do continente.

É assim...


"L'ile Gracieuse est petite par son étendue mais grande par son hospitalité"

"A ilha Graciosa é pequena no tamanho mas grande na hospitalidade"
Princípe Alberto do Mónaco
em visita á Graciosa a 2 de Março de 1879

terça-feira, novembro 14, 2006

Graciosenses ilustres


Não é de estranhar que numa ilha há muito marcada pela diáspora existam filhos desta terra em várias partes do mundo. Dois deles, por sinal pioneiros, participaram no maior feito de navegação de todos os tempos: a viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães. Os seus nomes há muito que caíram no esquecimento e escassos factos podemos apurar e ter como certo acerca da vida destes homens; pouca gente saberá que na Graciosa nasceram João da Silva e Gaspar Dias.
João da Silva era meirinho na nau Conceição e morreu aquando do traiçoeiro convite feito aos navegantes pelo rei da ilha de Cebú nas Filipinas, alguns dias após a morte de Magalhães no combate da ilha de Mactan.
Gaspar Dias era despenseiro da nau Santiago, a qual se perdeu no temporal no estreito de Magalhães, salvando-se a tripulação que foi distribuida pelos outros quatro navios da frota; se Gaspar Dias não foi colocado na nau Santo António, a que depois desertou, podemos afirmar que morreu de doença, como tantos outros durante a viagem.
Fonte: Viriato Campos in "Sobre o Descobrimento e Povoamento dos Açores"

segunda-feira, novembro 13, 2006

Ilhas...


Olho o mapa e torno a olhar... já há muito que desconfiava disto... se uma ilha é "uma porção de terra rodeada de água por todos os lados" então, em ultima análise, somos TODOS ilhéus...(só que uns tem mais terra do que outros...)

A casa tradicional da ilha Graciosa (parte II)

A ilha Graciosa, pese o facto dos seus 62 km2, possui o espaço urbano e o espaço rural perfeitamente definidos; a “vila” e o “campo” eram e ainda são duas realidades distintas, sobretudo no que concerne á arquitectura. Enquanto que na vila da Praia e sobretudo na vila se Santa Cruz encontramos mais edifícios de matiz erudita, fora destes centros urbanos não se encontram quaisquer exemplos desta arquitectura mais refinada, embora entre as “casa de alto e baixo” dos lavradores abastados se encontrem casos de bastante requinte.
No “campo”, que corresponde a grande parte da área da ilha predomina uma arquitectura vernácula, fruto de múltiplas influências com casas térreas e casas de 2 pisos a ladearem os caminhos e a guardarem os “cerrados” que lhes ficam adjacentes, traduzindo a secular divisão das gentes do campo: os que tem a terra e os que tem de trabalhar a terra.

Outro aspecto importante relaciona-se com a topografia; a irrelevância dos picos e montes que pontuam a paisagem Graciosense permitiram que o povoamento se desenvolvesse para o interior ao invés do que sucede nas outras ilhas onde se limita á faixa litoral. Este facto permitiu criar uma rede densa de caminhos e canadas ladeados por habitações, ora seguidas umas ás outras ora separadas por quintais e cerrados. Este tipo de povoamento “disperso-orientado”, ao longo dos caminhos, sem aglomerados significativos e com povoações mal definidas, vem substituir a aldeia continental; é mais importante que as habitações fiquem junto aos campos de cultivo do que junto a outras casas.

sexta-feira, novembro 10, 2006

A Casa Tradicional da Ilha Graciosa (Parte I)

Não se conhecem quaisquer descrições da habitação Graciosense anteriores ao século XX, embora referências esporádicas dos cronistas que primeiro escreveram sobre esta ilha, como Gaspar Frutuoso ou Frei Diogo das Chagas, permitam depreender alguns factos. É ponto assente que desde a chegada do primeiro povoador até á construção da primeira casa não terá decorrido muito tempo. As habitações dos colonos não passariam, nesta altura (meados do século XV), de pequenas cabanas de pedra seca cobertas com os materiais vegetais á disposição. Logo que o assentamento se tornou definitivo e se expandiu para o interior começaram a surgir casas maiores, telhadas, erguidas com outro rigor e pertencentes a fidalgos a quem haviam sido doadas terras na ilha.
A tradição oral ainda aponta uma ou outra casa como sendo a primeira que se ergueu na Graciosa, designando-as por “casa do Fidalgo” ou “casa do Capitão” e, pese o facto das lendas e mistificações que sempre envolvem a história local, a verdade histórica não andará longe das estórias contadas pelas gentes; A “casa do Fidalgo”, erguendo-se no centro das melhores terras da ilha, lembra as domus fortis do continente e nada tem a ver com a arquitectura que se desenvolveu na Graciosa.

Apesar de podermos fazer remontar alguns edifícios ás primeiras décadas do povoamento, a maior parte do património edificado foi construído e reconstruído nos dois últimos séculos, devido não só á acção do tempo e á óbvia necessidade de renovação do espaço habitacional como também aos sismos – alguns deles com intensidades de IX e X na escala de Mercali modificada - que de tempos a tempos assolam a ilha, reduzindo freguesias inteiras a escombros e obrigando á sua reconstrução. Assim, não é possível traçar um quadro rigoroso sobre a evolução da habitação na Graciosa desde os primórdios, embora se suponha que a estrutura da casa rural não se tenha alterado muito nestes 5 séculos de História, apesar das vicissitudes a que uma terra destas está sujeita. Importa no entanto salientar uma mudança, que ocorreu a diferentes ritmos de ilha para ilha e de freguesia para freguesia: a substituição do colmo pela telha de meia-cana, facto que implicou a diminuição do declive das águas, alterando deste modo a fisionomia da casa açoriana.

quinta-feira, novembro 09, 2006

A propósito de Mar...

"O Graciosense comporta-se como um homem do continente, um homem do Ribatejo vinícola e ganadeiro mas sem o veio de um rio grande e inundadiço.
Na Graciosa não se veem gaivotas nem se ouve o crocitar lugúbre dos cagarros. Em Santa Cruz sentimo-nos como se estivessemos numa Golegã sem as araucárias da praça!"
Almeida Langhans in "Oficios Antigos Subsistentes nas Ilhas dos Açores- Graciosa"
Poderá a insularidade ser somente uma condicionante geográfica? Seremos nós menos ilhéus do que o resto dos Açorianos? O mar que moldou estas rochas negras também moldou os homens desta terra, marcou-lhes o corpo e o espiríto.
Mas Almeida Langhans não deixa de ter razão; desde cedo que viramos as costas ao mar, basta olhar para Santa Cruz, aninhada á beira mar mas virada para terra, sem uma fachada maritíma como tem as outras vilas e cidades do arquipélago. Apenas os antigos bairros de pescadores como o Corpo Santo e o Degredo se debruçam timidamente sobre o Atlântico, o resto da vila procura os "cerrados" e as vinhas, desde sempre o seu principal ganha pão. Nunca fomos ilha de pescadores, zangamo-nos com o mar há séculos...

quarta-feira, novembro 08, 2006

E viva Espanha...

Há umas semanas, falei com uma colega madrilena, lamentava-se por uma Espanha em adiantado estado de «decomposição» a propósito do novo estututo da Catalunha que vai muito mais além da simples autonomia. A Catalunha é uma Nação cada vez mais empenhada em demarcar-se do resto de Espanha, um «exemplo» para a comunidad Valenciana, para a Galiza, para o país Basco... A minha colega lamentava-se por os nuestros hermanos não perceberem que as diferenças culturais dentro de um mesmo espaço geográfico são motivo de orgulho e uma mais valia a todos os níveis e não de secessionismos precipitados. È verdade que somos pobres, feios e maus mas ao menos entendemos que as diferenças que nos unem neste pequeno Portugal são mais fortes do que as que nos separam...

...

Uma recta é uma circunferência com raio no infinito...

terça-feira, julho 18, 2006

Pedras com História

Anta Grande da Comenda da Igreja; Montemor-o-Novo

Os nossos 550 anos de história, ao lado destas construções milenares, passam por mera nota de rodapé...Embora a Graciosa tenha surgido das águas do Atlântico há cerca de 750.000 anos, a ocupação Humana da ilha iniciou-se na segunda metade do século XV. Apesar de tudo o Homem marcou indelevelmente esta paisagem, humanizou cada parcela de terra com casas, cerrados e vinhas, deixando marcas no território, tal como deixaram as gentes que há milénios edificaram esta anta. É inevitável que nos sítios por onde passamos não deixemos a nossa marca, mais ou menos duradoura, mais ou menos evidente...tomara que as marcas que os nossos avós deixaram, ainda hoje tão presentes, durem tanto como duraram estas pedras...

Casas e Casas


Estas casas caiadas de branco, debruadas com barras de várias cores e com a chaminé omnipresente, bem podiam ser de uma qualquer vila Açoriana, mas não... o centro Histórico de Évora é assim... nunca vi casas que me fizessem lembrar tanto as da Graciosa como estas habitações do Alto Alentejo. Já Almeida Laghans no seu livro "Oficios Antigos Subsistentes nos Açores- Graciosa" chamava a atenção para isso...
A Graciosa é um bom exemplo da multiplicidade de arquitecturas que existem no continente Português, ou não tivesse sido povoada por gentes oriundas das várias partes do reino. É assim que ao lado das "casas de alto e baixo" , muito semelhantes á sóbria casa do agricultor nortenho, encontramos a casa de piso térreo, que parece ter sido copiada a papel químico das casas do Alentejo e Algarve. Mas aqui, em virtude dos condicionalismos, essa distinção geográfica diluiu-se e desapareceu, sendo substituída por outra de carácter social, em que as dimensões da casa ditavam o status dos seus habitantes.

quinta-feira, julho 13, 2006

Sentença Proferida em 1487 no Processo Contra o Prior de Trancoso

Ora aqui está uma coisa que não vemos todos os dias (nem todos os séculos). Este auto está arquivado na Torre do Tombo, armário 5.o,maço 7,,,,

"Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve vinte e nove filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos.Total: duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e catorze do sexo feminino e oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e três mulheres".

[agora vem o melhor:]

"El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou por em liberdade aos dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de Ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo".


É de MACHO!!!

quarta-feira, julho 12, 2006

Uma Ilha Seca (Parte II)

Vila de Santa Cruz, que se desenvolveu em redor dos dois pauis
que hoje são o seu ex-libris.

O medo da falta de água marcou indelevelmente o Graciosense, ironicamente (e como todo o Ilhéu) habituado a viver rodeado dela. O mais evidente indicio deste temor são os pauis de Santa Cruz, hoje ex-libris da Vila, no passado peça indispensável á sobrevivência destas gentes. A sua construção remonta a meados do século XV ou inicios do século XVI, destinando-se um a saciar a sede das pessoas, o outro dos animais. Mas por toda a ilha podemos encontrar pauis (Ribeirinha, Pontal, Fonte do Mato, Luz) que independentemente da sua época de construção, destinavam-se todos ao mesmo fim.
A cisterna ou o tanque desde logo se revelaram construções indissociáves da casa, mesmo das mais humildes, onde na cozinha nunca faltava o talhão de barro com a água fresca proveniente desses depósitos.
Embora tenhamos uma Serra das Fontes, o caudal das nascentes lá existentes é pouco significativo, como o é o das restantes nascentes: Tanque, Fonte da Rocha, Restinga, algumas delas de dificil acesso, o que tornava a tarefa de obter uma simples caneca de água uma aventura.
As secas cíclicas que assolavam a Graciosa, obrigaram por várias vezes á importação de pipas de água da vizinha ilha Terceira e mesmo a utilizar a água da lagoa da Furna do Enxofre, enchida em barris que depois eram puxados por uma das aberturas.
Na primeira metade do século XIX a nossa ilha foi assolada pela pior seca da sua história, decidindo-se então a construção de uma série de reservatórios, para onde seria canalizada a água das nascentes, posteriormente distribuída.
Hoje em dia a Graciosa está dotada de uma rede moderna de captação e distribuição de águas, que abrange toda a ilha, o que não impede que num ou noutro verão as nossas torneiras sequem...mas pelo menos já não temos de passar sede como terão passado os nossos avós, e, voltando á história do viajante do século XVII que aportou á nossa ilha para fazer a aguada, ele conta que mais fácil os habitantes lhe dispensavam três pipas de vinho do que uma de água.

Uma Ilha Seca... (Parte I)

A Graciosa evidencia-se no contexto insular por ser a ilha menos acidentada do arquipélago. Os contornos suaves dos montes e picos que salpicam a paisagem raramente ultrapassam a cota dos 350 metros, permitindo que o povoamnto penetrasse no interior e não se limitasse á faixa litoral como sucedeu nas outras ilhas.
Cedo a Graciosa virou costas ao mar, desenvolvendo no interior uma densa rede de caminhos ladeada por povoações de contornos mal definidos. É, como afirma Almeida Laghans, "uma ilha onde não se sente o mar e onde não se ouvem as aves marinhas", e no entanto toda ela é mar...
Todos os palmos de terra foram aproveitados ora para pasto, ora para cultivo, ora para vinha, o que explica em parte que esta tenha sido uma ilha onde a produção de trigo, centeio e vinho rivalizava com a das maiores, pese o facto dos seus 62 Km2...
As secas que de quando em vez assolam esta terra e os baixos indices de humidade podem também ser explicados pela inexistência de elevações com cotas significativas: as chuvas orográficas, tão frequentes em outras ilhas, são na Graciosa praticamente inexistentes. Assim se explica que, como relatou um viajante de há 3 séculos, nesta ilha houvesse mais abundância de vinho do que de água...

terça-feira, junho 20, 2006

Este Mar...

Blau au somni
Numa pequena aldeia de xisto, ancorada nas margens de um rio cujo nome não me ocorre, conheci uma velhota, sorriso desdentado, prestes na fala, tez curtida pelo sol de 80 e muitos anos, com uma lucidez invejável e forças para se levantar todos os dias antes do galo cantar para tirar as cabras do redil, mais do que tudo temia os lobos (apesar de há mais de 20 anos não se ver nenhum por aquelas paragens).
O que me espantou nesta senhora, igual a tantas outras por este pequeno Portugal fora, foi o facto de nunca ter ouvido falar desta terra com nome de ave de rapina, Açores, quase como se eles nunca tivessem sido descobertos ou então existissem apenas nas páginas de algum livro fantático... nem foi preciso adiantar o pormenor que eu era da Graciosa... Logo esqueci esta pequena "afronta" ao meu orgulho açoriano quando a senhora me disse que nunca tinha visto o mar... o Atlântico era tão ou mais distante do que a Lua, pois essa ao menos estava ali no céu nocturno; o mar, só atravessando meio Portugal, ir muito mais além daquela serra da qual a velhota nunca passara o cume. E depois a ideia de uma massa colossal de água estendendo-se até ao infinito era algo que não entrava na cabeça a alguém que sempre vivera entre serranias, para "Lá-dos-Montes"...
Como nos parece banal, a nós Atlantes, este Atlântico cada vez mais pequeno, e ao mesmo tempo ideia tão estranha a um cada vez menor número de cabeças, que não imaginam outro horizonte que não um de terra e rochas...

Hoje, no Douro...

Á minha frente o Douro em tons cinzentos e uma escarpa de granito pintada de amarelo torrado e verde escuro, tão diferente das encostas esculpidas do Douro vinhateiro alguns quilómetros a jusante... aqui só plantam oliveiras, que dão a impressão de crescer espontaneamente...
Este bloco colossal de pedra e terra que nasce do rio ergue-se abrupto em direcção ao céu. Mete medo, impressiona... Estou numa pequena praia fluvial, mesmo junto á abandonada estação de comboio de Almendra, na linha que ligava o Porto a Salamanca e que agora se detém no Pocinho, perto de Vila Nova de Foz Côa. Para chegar dos Açores aqui é preciso fazer bastantes quilómetros e ter estômago para curvas e contra curvas nas vertentes acidentadas do vale do Douro, que aqui já começa a ser o "Duero", afinal Espanha é já ali depois daquela curva, literalmente.
Este é o lugar mais isolado onde já estive, não fosse a estação fantasma atrás de mim e os carris ferrugentos e dir-se-ia que nunca Homem algum passou por estas paragens (pura ilusão: há milénios que esta terra agreste é percorrida por gentes sem nome). Estas cigarras não conhecem outro som que não o criiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii ensurdecedor com que enchem o ar. As árvores secas tornaram-se estátuas imóveis e parecem esticar-se para a água ali a poucos metros...aqui no vale do Douro não corre vento e há dias em que as temperaturas ultrapassam em muito os 50 graus. Hoje o termómetro do carro marca 44, vá lá... o cheiro a erva seca e água mistura-se e confunde-se no ar, inspiro-o, encho os meus pulmões com ele e mergulho... nunca tinha mergulhado nas águas de um rio, tão diferentes das do meu Atlântico...Aqui, abaixo da superficie não há cor, água turva, mete medo...peixes nem vê-los e de vez em quando sentimos as algas agarrarem-nos, umas fazem cócegas outras assustam. O meu corpo resiste contra a corrente, fortissima, até parece que tem pressa para chegar a algum lado. O melhor é sair da água, a areia grossa e amarela da praia chama-me...

Deixo a praia de Almendra para trás, mas não posso deixar de colar os olhos a esta paisagem desértica, hoje tão surreal, enquanto subo as escarpas. Não foi o mundo que se esqueceu deste pedaço de terra e rio, foi este pedaço de terra e rio que se esqueceu do mundo....

A Fajã da Serra Branca

Estas casas que se derramam na encosta da serra, quebrando a monotonia do xadrez de pastos e cerrados, lembram as aldeias Transmontanas, adormecidas á sombra dos cumes mais altos da serrania, rasgada a espaços por fragas de granito. Aqui a pedra é o basalto, é ele que rompe as encostas da serra e é com ele que se ergue tudo o que é parede...
A aldeia está muda. Custa a crêr que já viveu aqui alguém. As casa são meros esqueletos de pedra queimada pelo fogo vulcânico e os caminhos ladeados de silvas e fetos secos só servem de passagem, de tempos a tempos, a tractores barulhentos. Já não há ninguém aqui...
Ali á frente o verde da serra despenha-se no azul do Atlântico mudo... aqui o mar vê-se mas não se ouve, não se sente. Esta imensidão de água bem poderia ser um prolongamento da terra e destes montes que a diferença era pouca; o mar estava tão longe das gentes que aqui viviam como estava de um Transmontano...

segunda-feira, junho 19, 2006

Hoje o horizonte desapareceu...

M.C Escher, Sky and Water
Olho para onde deveria estar a linha do horizonte e não a vejo... o azul confunde-se, confunde-me... agora não sei onde começa o mar e morre o céu, onde morre o mar e começa o céu... Não há um rumor nas águas nem um movimento nas nuvens que desperte o horizonte; hoje o horizonte desapareceu e a Ilha parece nem se importar, adormeceu... as colinas nuas espreguiçam-se descaradamente ao sol do meio dia e a Faia e o Incenso sussurram baixinho uma canção de embalar, até os grilos se calaram... Os Garajaus e as Gaivotas, confundidos, tomam conta do basalto negro á beira mar, hoje é melhor não ser ave, amanhã quando o horizonte aparecer, se quiser aparecer, reclamam novamente este céu azul pálido.

quarta-feira, junho 14, 2006

A importância de se chamar Graciosa (Parte II)

Graciosa não é um nome, é um adjectivo.
Esta terra cheia de graça só pode fazer jus a esse adjectivo tornado nome nas cartas de marear, entre rosas-dos-ventos e rotas.
A Graciosa está naquele grupo de ilhas cujo nome nos evoca imediatamente uma imagem, mesmo que nunca lá tenhamos estado; assim é com o Pico, assim é com as Flores, das restantes podemos esperar tudo mas no Pico tem de haver obrigatoriamente um pico e as Flores tem de ser um jardim. A Graciosa...a Graciosa só pode ser isso mesmo, graciosa. O nome desta porção de terra, cada vez mais empenhada no turismo é o seu maior trunfo quando se quer cativar visitantes... a força que estas oito letras podem ter!

terça-feira, junho 13, 2006

A Importância de se chamar Graciosa...

Inicio aqui uma série de artigos sobre os 5 séculos de história da ilha Graciosa...

Gaspar Frutuoso nas suas "Saudades da Terra", Livro VI, a páginas tantas, diz a propósito do nome Graciosa:
(...) Chamando-lhes todos ilha Graciosa, porque o é na vista que tem, verde e quase chã, e pouco montuosa, e tal apareceu aos que este nome lhe puseram, pela ver tão bem assombrada e quase rasa, sem montes altos e grandes e vulcão, nem carranca como tem outras ilhas (...)
Se duvidas houvessem acerca do porquê do nome desta porção de terra rodeada de Atlântico, são desfeitas neste parágrafo pelo eminente historiador. Não há, não pode haver, outra explicação para o nome desta ilha, que ao contrário das suas oito irmãs nunca recebeu nome de santo. Para compreendermos e darmos razão ao cronista Frutuoso basta olharmos a Graciosa do mar, tal como as primeiras gentes que a vieram povoar; uma ilha onde as falésia não metem medo e as névoas raramente encerram o cume dos montes, sempre discretos: até o minúsculo Corvo possui uma altitude máxima superior á da Graciosa...
O porquê de nunca ter tido nome de santo ou santa, nem mesmo por um curto período, é também a meu ver fácil de responder: a palavra Graciosa tinha para os antigos uma conotação religiosa e era imediatamente associada á virgem Maria, a mesma que já dera nome a outra ilha, e que era, tal como se reza, "...cheia de Graça..." o mesmo será dizer: Graciosa.
Assim o é esta ilha, Graciosa graciosa, desde o século XV até aos dias de hoje...

segunda-feira, junho 12, 2006

A Ilha...


Lá, a fronteira é um erro estúpido, um rabisco sobre um mapa que significa cada vez menos e que se vai diluindo devagar de cada vez que a passo, um dia já nem a sinto... Mas aqui... Aqui, na Ilha, sinto a fronteira como nunca tinha sentido até hoje. Este basalto negro á beira mar, onde morre o verde que pinta a Ilha, é a materialização daquele rabisco estúpido que não devia existir Lá... E depois há este Mar, para lá do basalto negro, que de tempos a tempos se ergue em vagas colossais para fustigar a terra e lembrar que somos Ilhéus, este vento que ora nos sussurra ora nos grita a nossa insularidade. Não posso fugir, a fronteira rodeia-me, sempre presente, sempre muda, sempre imutável... Nem vale a pena gritar...