terça-feira, fevereiro 10, 2015

Sobre histórias da Carochinha...

De tempos a tempos os jornais e a televisão fazem eco das descobertas arqueológicas que se vão fazendo nos Açores e que atestam um povoamento pré-Português destas ilhas Atlânticas. Se de início estas notícias começaram por ser um fenómeno da silly season, com o passar dos anos foram-se tornando mais constantes nos meios de comunicação social, ao ponto de muita gente começar a assumir que a presença de culturas da Antiguidade no arquipélago, mais do que uma suposição,  seria um facto. Foram “descobertos” hipogeus (túmulos escavados na rocha) nas Flores e no Corvo, pirâmides na ilha do Pico, construções megalíticas, templos fenícios e uma inscrição e uma necrópole romana na ilha Terceira. Supostamente tudo bastante anterior ao conhecimento dos Açores.

Estas pseudo-notícias não passam de efabulações e encontram-se nos antípodas de qualquer processo científico, já que negam factos e misturam paralelos conhecidos, omitem a tradição oral e os registos históricos que existem sobre essas estruturas, conhecidas desde longa data mas bastante distantes da antiguidade que os seus “descobridores” querem fazer crêr. Ademais, nenhum dos intervenientes destas pseudo-descobertas tem competências para interpretar os factos históricos e os dados arqueológicos, a não ser que os lastimosos documentários do Canal História confiram equivalências. Acreditar, sem quaisquer provas dignas desse nome e reconhecidas como tal, que o arquipélago dos Açores seria habitado desde milénios antes de Cristo por culturas provenientes da bacia do mediterrâneo - como o são fenícios ou romanos - manifesta um medíocre conhecimento da História e da Geografia. 

O Estreito de Gibraltar, essas Colunas de Hércules da lenda, constituiria um marco bem fincado para a navegação; se o Mediterrâneo era atravessado desde tempos imemoriais por embarcações, o Atlântico apresentava-se uma imensidão desconhecida e tormentosa e todas as embarcações que o sulcavam na Antiguidade limitavam-se a navegar à vista da linha costeira. A tecnologia e os conhecimentos da época estavam muito longe de permitir a navegação em pleno Atlântico e só na centúria de quatrocentos se arriscaram navegações para outras longitudes. Como se poderia explicar então a existência nos Açores de estruturas pretensamente semelhantes às encontradas no continente Europeu - com 4000 ou 2000 anos - e que implicariam uma ocupação bastante alargada no tempo? Com que finalidade aportariam aqui canoas ou trirremes romanas? Onde estão os vestígios materiais que qualquer ocupação humana deixa por testemunho e que traduzem-se em cerâmicas, numismas e vidros que nos permitem estabelecer paralelos efectivos e datações absolutas?

Em última análise, este fenómeno é sintomático do estado acrítico a que chegou uma sociedade que se debruça durante muito tempo sobre a televisão e pouco sobre bons livros.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ora aí está.

Anónimo disse...

Tem sido tolices atras de tolices assentes em sonhos, sem absolutamente nada de palpável.
Os "especialistas", que na vida fizeram tudo menos arqueologia, encontraram aliados em certa comunicação social, obrigando o erário público a gastar dinheiro em escavações sem pé nem cabeça.