terça-feira, julho 18, 2006

Pedras com História

Anta Grande da Comenda da Igreja; Montemor-o-Novo

Os nossos 550 anos de história, ao lado destas construções milenares, passam por mera nota de rodapé...Embora a Graciosa tenha surgido das águas do Atlântico há cerca de 750.000 anos, a ocupação Humana da ilha iniciou-se na segunda metade do século XV. Apesar de tudo o Homem marcou indelevelmente esta paisagem, humanizou cada parcela de terra com casas, cerrados e vinhas, deixando marcas no território, tal como deixaram as gentes que há milénios edificaram esta anta. É inevitável que nos sítios por onde passamos não deixemos a nossa marca, mais ou menos duradoura, mais ou menos evidente...tomara que as marcas que os nossos avós deixaram, ainda hoje tão presentes, durem tanto como duraram estas pedras...

Casas e Casas


Estas casas caiadas de branco, debruadas com barras de várias cores e com a chaminé omnipresente, bem podiam ser de uma qualquer vila Açoriana, mas não... o centro Histórico de Évora é assim... nunca vi casas que me fizessem lembrar tanto as da Graciosa como estas habitações do Alto Alentejo. Já Almeida Laghans no seu livro "Oficios Antigos Subsistentes nos Açores- Graciosa" chamava a atenção para isso...
A Graciosa é um bom exemplo da multiplicidade de arquitecturas que existem no continente Português, ou não tivesse sido povoada por gentes oriundas das várias partes do reino. É assim que ao lado das "casas de alto e baixo" , muito semelhantes á sóbria casa do agricultor nortenho, encontramos a casa de piso térreo, que parece ter sido copiada a papel químico das casas do Alentejo e Algarve. Mas aqui, em virtude dos condicionalismos, essa distinção geográfica diluiu-se e desapareceu, sendo substituída por outra de carácter social, em que as dimensões da casa ditavam o status dos seus habitantes.

quinta-feira, julho 13, 2006

Sentença Proferida em 1487 no Processo Contra o Prior de Trancoso

Ora aqui está uma coisa que não vemos todos os dias (nem todos os séculos). Este auto está arquivado na Torre do Tombo, armário 5.o,maço 7,,,,

"Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve vinte e nove filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos.Total: duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e catorze do sexo feminino e oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e três mulheres".

[agora vem o melhor:]

"El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou por em liberdade aos dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de Ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo".


É de MACHO!!!

quarta-feira, julho 12, 2006

Uma Ilha Seca (Parte II)

Vila de Santa Cruz, que se desenvolveu em redor dos dois pauis
que hoje são o seu ex-libris.

O medo da falta de água marcou indelevelmente o Graciosense, ironicamente (e como todo o Ilhéu) habituado a viver rodeado dela. O mais evidente indicio deste temor são os pauis de Santa Cruz, hoje ex-libris da Vila, no passado peça indispensável á sobrevivência destas gentes. A sua construção remonta a meados do século XV ou inicios do século XVI, destinando-se um a saciar a sede das pessoas, o outro dos animais. Mas por toda a ilha podemos encontrar pauis (Ribeirinha, Pontal, Fonte do Mato, Luz) que independentemente da sua época de construção, destinavam-se todos ao mesmo fim.
A cisterna ou o tanque desde logo se revelaram construções indissociáves da casa, mesmo das mais humildes, onde na cozinha nunca faltava o talhão de barro com a água fresca proveniente desses depósitos.
Embora tenhamos uma Serra das Fontes, o caudal das nascentes lá existentes é pouco significativo, como o é o das restantes nascentes: Tanque, Fonte da Rocha, Restinga, algumas delas de dificil acesso, o que tornava a tarefa de obter uma simples caneca de água uma aventura.
As secas cíclicas que assolavam a Graciosa, obrigaram por várias vezes á importação de pipas de água da vizinha ilha Terceira e mesmo a utilizar a água da lagoa da Furna do Enxofre, enchida em barris que depois eram puxados por uma das aberturas.
Na primeira metade do século XIX a nossa ilha foi assolada pela pior seca da sua história, decidindo-se então a construção de uma série de reservatórios, para onde seria canalizada a água das nascentes, posteriormente distribuída.
Hoje em dia a Graciosa está dotada de uma rede moderna de captação e distribuição de águas, que abrange toda a ilha, o que não impede que num ou noutro verão as nossas torneiras sequem...mas pelo menos já não temos de passar sede como terão passado os nossos avós, e, voltando á história do viajante do século XVII que aportou á nossa ilha para fazer a aguada, ele conta que mais fácil os habitantes lhe dispensavam três pipas de vinho do que uma de água.

Uma Ilha Seca... (Parte I)

A Graciosa evidencia-se no contexto insular por ser a ilha menos acidentada do arquipélago. Os contornos suaves dos montes e picos que salpicam a paisagem raramente ultrapassam a cota dos 350 metros, permitindo que o povoamnto penetrasse no interior e não se limitasse á faixa litoral como sucedeu nas outras ilhas.
Cedo a Graciosa virou costas ao mar, desenvolvendo no interior uma densa rede de caminhos ladeada por povoações de contornos mal definidos. É, como afirma Almeida Laghans, "uma ilha onde não se sente o mar e onde não se ouvem as aves marinhas", e no entanto toda ela é mar...
Todos os palmos de terra foram aproveitados ora para pasto, ora para cultivo, ora para vinha, o que explica em parte que esta tenha sido uma ilha onde a produção de trigo, centeio e vinho rivalizava com a das maiores, pese o facto dos seus 62 Km2...
As secas que de quando em vez assolam esta terra e os baixos indices de humidade podem também ser explicados pela inexistência de elevações com cotas significativas: as chuvas orográficas, tão frequentes em outras ilhas, são na Graciosa praticamente inexistentes. Assim se explica que, como relatou um viajante de há 3 séculos, nesta ilha houvesse mais abundância de vinho do que de água...