domingo, novembro 29, 2009

Alentejo


Se o escutarmos, o Alentejo pode-nos contar uma estória de dor, que se lê no rosto das gerações mais velhas. É história antiga; havia os que tinham a terra e havia os que tinham de trabalhar essa terra. Falaram-me dos homens que todas as manhãs se reuniam na praça à espera que o senhor fosse escolher os mais capazes para trabalhar. E aqueles que levantam a voz, que se revoltavam contra os salários de míngua, que olhassem com desaprovação para os terratenentes, podiam voltar para casa, porque a eles, não havia quem desse trabalho. O silêncio, o ter de calar-se e baixar os punhos era recompensado com poucos tostões, com a rudeza de quem emprega e trata os empregados abaixo de cão. E havia aqueles proprietários que se apropriavam também da vida dos seus empregados. Catarina Eufémia não está sozinha no seu martírio. Aqui, houve aquele senhor que não gostou da maneira como um moço olhava para a sua amante e certa noite, quando a ceifa findava e se esqueciam os tormentos num baile no meio da seara, resolveu a afronta com dois tiros. O moço e a rapariga que tinha por amante tombaram ao coberto da noite. Menos um problema. Esse senhor continuou a sua vida e morreu de velho na cama e consta que nunca lhe tenha pesado a consciência. Um marco em tijolo, pobre e esquecido, assinala o sitio onde se deu esse assassínio. Histórias como estas são mais que muitas. Quando a terra ainda valia muito.

Os tormentos de uma vida de trabalho, criaram laços de solidariedade entre os oprimidos. Zeca Afonso cantou-os na Grândola Vila Morena. Não admira então que o Partido Comunista encontrasse aqui terreno para florescer, invisível, mas fazendo ouvir bem alto a sua voz e fazendo tremer a velha aristocracia latifundiária. Aqui há pouca gente que não tenha tido um familiar nos calabouços da GNR, que não tenha tido problemas com a PIDE, isto, quando as balas dos vampiros não os calavam para sempre.

O Alentejo mudou, como o resto de Portugal. Agora só se temem os campos abandonados e as gentes envelhecidas, que os novos são cada vez menos. As estórias e a História do que foi o Portugal do século XX, do Portugal de gente pobre e presa no medo, que viveu e morreu no meio da seara, arredada do que se passava lá longe na capital, escreveu-se a sangue e suor, neste outro país, além-Tejo.

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