segunda-feira, abril 04, 2011

Portugal longe

O trabalho leva-me frequentemente a lugares deste Portugal onde pouca gente passa. Aldeias duras de granito, perdidas entre as agrestes serranias transmontanas e vilas alvas de cal, adormecidas na indolência de uma imensa seara do Alentejo.
Portugal revelou-se-me aos poucos, quando comecei a palmilhar estes oitocentos e poucos quilómetros, entalados entre Espanha e o Atlântico. E eu, insular de gema, habituado aos limites que o mar nos impõe, habituado a viver num ermo de uma Europa distante, habituado a que o vento e o mar se revoltem em dias infinitos e nos privem de aviões e barcos, ainda me espanto quando encontro lugares onde custa mais chegar do que à Graciosa ilha. Conheci um par deles, arredados de tudo, como se Afonsos Henriques e Sanchos por aqui nunca se tivessem quedado e erguido a sua espada contra os mouros.
Lá longe, na Lisboa que mais ordena, lembram-se destas pessoas quando há desgraças e quando é hora do voto. Ouvem-lhes os queixumes mas logo os esquecem. Fecham linhas de comboio, escolas e hospitais, porque quem ali habita, há muito que deixou de ser pessoa para ser número.
Nestas terras ficam os velhos, esses velhos que foram uma vez à cidade para tratar de uns assuntos nas Finanças, agarrados a um quinhão de terra ressequido e a umas pedras, velhas como eles. Os novos querem esses outros países chamados Lisboa ou Porto, onde há linhas de comboio, escolas e hospitais, onde há centros comerciais e estádios de futebol, onde há restaurantes e supermercados.
Portugal em breve deixará de existir como o conhecemos, abdicará do interior velho, queixoso e que dá despesa para se limitar ao litoral solarengo e promissor, onde ninguém se queixa por estar a três horas do hospital mais próximo ou porque os filhos tem de sair de casa às 5:30 da manhã para ir para a escola. Disse que conhecia um par de lugares esquecidos no mapa. Corrijo, conheço uns centos deles, sem auto-estradas ou pontes que lhes possam valer, sem outra coisa que não a paciência de quem espera que a vida se apague.  

Sem comentários: