Cabia a cada geração zelar pelas pedras postas pela geração
anterior, arrancar a vinha velha atarracada e plantar pés novos e sadios,
continuar a podar, a cavar, a fazer curas contra as maleitas, como fizeram os
seus avós e os seus pais, como hão-de fazer os seus filhos. Mas bastava que as
vagas de mar se levantassem num dia de vento e a ressalga açoitasse sem
clemência as terras baixas, para que a vinha se queimasse e o ano estivesse
perdido. Os homens, de grandes mãos sábias e tez curtida pelo sal dos anos
voltavam aos currais de vinha geometricamente dispostos em ruas fundas,
voltavam a erguer as paredes de pedra solta, com paciência e com resignação, como
se Sísifo pudesse empurrar mil pedras e cumprir o martírio de uma só vez.
Voltavam a cavar e a podar e a cavar outra vez. Nos dias de sol, em que o mar é
só mar, a resignação tornava-se esperança e entre o basalto aquecido pelo sol,
sobre a terra gerada sobre as cinzas de um vulcão, despontava um rebento: um
cacho verde, duro e liliputiano.
Se o mar não se inquietar, há-de crescer redondo e rubro até
Setembro, será colhido em cestos de vime a escorrerem mosto sobre a
serrapilheira posta sobre as costas dos homens e há-de chegar ao lagar em
carros de bois a chiar com o peso da dorna. E ali à luz de um coto de vela que
se derrete na tardinha, outro milagre - talvez o maior dele todos - quando a
rocha se transformar em vinho e quando o labor destes ourives encher as velhas
pipas que resfolegam com a abundância. Vinho novo.
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