sexta-feira, abril 18, 2008

Avó

A minha avó cozia pão num forno a lenha, numa altura em que os ainda havia em bom estado nesta ilha. Todos os sábados repetia essa rotina, já se esquecera de quem a ensinara, -se é que a ensinaram - fazia isto deste que se lembrava de ser pisca de gente.
Transportava os molhos de videiras podadas, amarradas com piteiras, para a cozinha e graveto a graveto aquecia o forno. Já a massa preparada de véspera, benzida com uma cruz, repousava em dois alguidares grandes, um vermelho para o pão de trigo e um cinzento para o pão de milho, assentes num velhinho e tisnado banco de madeira. Havia ainda outro alguidar mais pequeno para as rosquilhas e tabuinhas-de-lavar e no tempo delas, um tabuleiro de pevides. Em movimentos rápidos e sabedores tendia a massa, punha-a na pá e ela desaparecia na boca negra do forno para voltar a sair umas horas depois. Ao sábado a cozinha era uma azáfama. Se era inverno tanto melhor, o calor do forno chegava de uma ponta a outra da casa, passava pelo sobrado até ao meu quarto e eu rejubilava. Á noite pegávamos num pão, quente, abafado debaixo de umas manta grossas, a minha avó, ainda de avental enfarinhado, partia-o em fatias e barrava-as com manteiga para mim e para a minha irmã. O pão de milho era comido no domingo, com as lapas. Havia umas quantas brindeiras destinadas a serem dadas “por alma dos nossos” a quem passasse por lá.
Uns anos antes de falecer a minha avó deixou de cozer pão.
Aos poucos aquela abóbada de pedra queimada abate-se, é cada vez menos um forno. A chaminé de mãos postas suplica.
As saudades que eu tenho do pão de trigo acabado de sair do forno, mas mais do que tudo, as saudades que eu tenho da minha avó, da sua força, das suas rugas, da sua tez queimada, das suas mãos velhinhas. Se fosse viva faria hoje anos…

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