sábado, abril 26, 2008

Bruxas, Lambuzões e Diabretes


As estórias que ouvia da boca dos antigos não raras vezes versavam sobre as figuras sobrenaturais que em noites de breu assombravam os caminhos. Visões aterradoras de seres demoníacos com quem ninguém gostaria de se encontrar. Parece que em tempos idos o diabo andava à solta nesta terra, sob múltiplas formas; as bruxas, os lambuzões e os diabretes constituíam esse estranho séquito de figuras demoníacas, que espalhavam o medo nestas pacatas freguesias.
Em noites de lua cheia, ouvia-se as bruxas reunidas nos matos, em danças e cantos infernais, que faziam tremer até o homem mais afoito. As gentes trancavam-se nos quartos com medo. O meu avô certa noite foi seguido até casa pelo som de umas violas e a minha avó contava que ao passar numa noite escura à igreja do Guadalupe, sem ninguém por perto, ouviu uns risos vindos por certo do inferno. A ronda das mafarricas. Mas as bruxas, pese o facto de serem bruxas, eram recatadas. As tropelias que aconteciam eram obra sobretudo dos diabretes, pequenos seres de aparência hedionda que se reuniam lá no cimo da serra à beira da Caldeirinha e aterrorizavam quem passasse pelo caminho a certas horas da noite. Evitava-se sair de casa depois do sol se pôr, evitando-se assim o mal que advinha de se cruzar com uma bruxa ou com um diabrete. Ninguém queria ter problemas com servos do diabo. Até conheço dois ou três casos de quem se tenha encontrado de cara a cara com o tinhoso, tentando desviar almas de bem para caminhos dúbios, como o auto vicentino. Mas havia uma reza que invocada nestes momentos servia de protecção e resolvia este grande mal: “Quando saí de casa fiz o sinal da cruz, rebenta Satanás pelo santo nome de Jesus” e logo ali o demónio desaparecia e deixava a pessoa seguir o seu caminho.
A mais original figura da mitologia insular era o lambuzão, nome que não existe no dicionário mas que julgo tratar-se de uma corruptela da palavra lobisomem, adaptada à realidade das ilhas, onde não havia lobos mas havia outros bichos. O lambuzão nascia amaldiçoado (se não estou em erro esta sina recaía sobre o sétimo filho de entre treze irmãos) e em determinadas noites transformava-se em uma qualquer besta, geralmente um porco. O ser lambuzão era um fardo, embora não mantivesse a consciência das suas acções, regra geral nunca agia por maldade. Conta-se aquela estória de uma mulher que estando na sua cozinha, entrou um porco pela porta e começou a roer-lhe a saia. Assustada ela enxotou o animal para não o tornar a ver. No dia seguinte o marido chegou a casa e ela, para desgraça do casal, constatou que o homem trazia preso entre os dentes algumas fibras vermelhas iguais às da sua saia.
É esforço vão arranjar explicações para estas crenças, enraizadas na cultura popular, verdadeiramente ancestrais e anteriores a quase tudo o que conhecemos. Bruxas, diabretes e lambuzões sempre os houve, em todos os lugares, com diferentes nomes, mesmo que não se acredite. Ou como dizem os nossos vizinhos “no creio en brujas, pero que las hay, hay.”

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