terça-feira, junho 20, 2006

Hoje, no Douro...

Á minha frente o Douro em tons cinzentos e uma escarpa de granito pintada de amarelo torrado e verde escuro, tão diferente das encostas esculpidas do Douro vinhateiro alguns quilómetros a jusante... aqui só plantam oliveiras, que dão a impressão de crescer espontaneamente...
Este bloco colossal de pedra e terra que nasce do rio ergue-se abrupto em direcção ao céu. Mete medo, impressiona... Estou numa pequena praia fluvial, mesmo junto á abandonada estação de comboio de Almendra, na linha que ligava o Porto a Salamanca e que agora se detém no Pocinho, perto de Vila Nova de Foz Côa. Para chegar dos Açores aqui é preciso fazer bastantes quilómetros e ter estômago para curvas e contra curvas nas vertentes acidentadas do vale do Douro, que aqui já começa a ser o "Duero", afinal Espanha é já ali depois daquela curva, literalmente.
Este é o lugar mais isolado onde já estive, não fosse a estação fantasma atrás de mim e os carris ferrugentos e dir-se-ia que nunca Homem algum passou por estas paragens (pura ilusão: há milénios que esta terra agreste é percorrida por gentes sem nome). Estas cigarras não conhecem outro som que não o criiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii ensurdecedor com que enchem o ar. As árvores secas tornaram-se estátuas imóveis e parecem esticar-se para a água ali a poucos metros...aqui no vale do Douro não corre vento e há dias em que as temperaturas ultrapassam em muito os 50 graus. Hoje o termómetro do carro marca 44, vá lá... o cheiro a erva seca e água mistura-se e confunde-se no ar, inspiro-o, encho os meus pulmões com ele e mergulho... nunca tinha mergulhado nas águas de um rio, tão diferentes das do meu Atlântico...Aqui, abaixo da superficie não há cor, água turva, mete medo...peixes nem vê-los e de vez em quando sentimos as algas agarrarem-nos, umas fazem cócegas outras assustam. O meu corpo resiste contra a corrente, fortissima, até parece que tem pressa para chegar a algum lado. O melhor é sair da água, a areia grossa e amarela da praia chama-me...

Deixo a praia de Almendra para trás, mas não posso deixar de colar os olhos a esta paisagem desértica, hoje tão surreal, enquanto subo as escarpas. Não foi o mundo que se esqueceu deste pedaço de terra e rio, foi este pedaço de terra e rio que se esqueceu do mundo....

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Estação de Alemndra, que inclui o caminho até lá é belíssimo na Primavera. No Verão nunca aí estive por tenho horror às temperaturas demasiado quentes.
Se visitar o meu site fica a informação de o sítio não é o mais isolado do mundo, porque também ai estive. Ver www.lusitanianotavel.canalblog.com
Belo texto.
Castela

Anónimo disse...

É de facto um caminho belissimo, em qualquer altura do ano... a sensação que fiquei ao visitar a estação de almendra (e não a localidade) foi que aquele lindissimo sítio é o mais isolado de todos aqueles onde eu já estive (e olhe que sou de uma ilha pequena)... parabéns pelo seu blog, caro castela, é sempre bom voltar a ver o Alto Douro...
cumprimentos,
Magma